segunda-feira, 31 de outubro de 2005

American heroes (2): James Madison

«If religion be not within cognizance of Civil Government, how can its legal establishment be said to be necessary to Civil Government? What influence in fact have ecclesiastical establishments had on Civil Society? In some instances they have been seen to erect a spiritual tyranny on the ruins of Civil authority; in many instances they have seen the upholding of the thrones of political tyranny; in no instance have they been seen the guardians of the liberty of the people. Rulers who wish to subvert the public liberty, may have found an established clergy convenient auxiliaries. A just government, instituted to secure and perpetuate it [liberty], needs them not.»

(Esta tirada do mais veemente anticlericalismo deve-se a James Madison, no "Memorial and Remonstrance against Religious Assessments", em 1784.)

domingo, 30 de outubro de 2005

Manuel Alegre no caminho certo

«"O objectivo da nossa candidatura é passar à segunda volta das eleições presidenciais e depois vencer essa segunda volta", sublinhou o vice-presidente da Assembleia da República. As declarações de Manuel Alegre foram proferidas no final da primeira reunião da sua Comissão Política, que demorou cerca de quatro horas.
(...)
"A nossa candidatura cumpriu já de forma positiva o teste de cidadania. Assenta no voluntariado e não depende de quaisquer aparelhos partidários ou grupos de interesses", sustentou, dizendo que na Comissão Política da sua candidatura "estão pessoas com percursos diferentes e provenientes de diferentes regiões".
"Esta candidatura fez já que muita gente voltasse a reencontrar o prazer da política. O nosso objectivo é servir Portugal e servir a Pátria - palavra que deve ser reaprendida a dizer com orgulho", afirmou.
»


A candidatura de Manuel Alegre tem vários aspectos positivos. Primeiro, ser uma candidatura que, quer se queira quer não, se afirma contra a vontade de todos os partidos (grandes, médios e pequenos). Segundo, poder ser a primeira expressão organizada de uma social-democracia radicalizada, genuinamente de esquerda, desde a candidatura de Salgado Zenha, há já vinte anos. Terceiro, saber recuperar um saudável sentido patriótico num momento em que os vagos sonhos europeístas só servem (conscientemente ou não) o «grande capital», o qual é, sejamos realistas, mais verdadeiramente transnacional do que qualquer proletariado. A candidatura de Manuel Alegre é portanto uma oportunidade de abrir espaço para uma esquerda que não se reveja nem no blairismo do PS, nem no estalinismo do PCP, nem no pós-modernismo do BE. Mas só vale realmente a pena se for para eleger Manuel Alegre presidente da República. Estamos todos fartos de eleições presidenciais que são meras contagens de espingardas para avaliar o peso de facções...

American heroes (1): Thomas Jefferson


«Be it enacted by the General Assembly of Virginia that no man shall be compelled to frequent or support any religious worship, place, or ministry whatsoever, nor shall be enforced, restrained, molested, or burthened in his body or goods, nor shall otherwise suffer on account of his religious opinions or belief; but that all men shall be free to profess, and by argument to maintain, their opinion in matters of religion, and that the same shall in no wise diminish, enlarge, or affect their civil capacities.»


(Constituição do Estado federado da Virgínia, 1785-86; atribui-se este «laicismo agressivo» - como diria um católico qualquer - à influência de Thomas Jefferson.)

Desfazendo os mitos sobre a República (5)

«[Sob a monarquia] o Estado tinha absorvido não só todo o direito eclesiástico mas também todo o direito divino relativo à Igreja, tendo-se chegado ao cínico desaforo de proclamar abertamente, em pleno Parlamento, com a aquiescência de todos os partidos, que não se devia estabelecer a separação entre a Igreja e o Estado, para que não se tornasse impossível continuar a dominar a Igreja.» (José Lopes Leite de Faria, bispo de Bragança, numa «Instrução Pastoral sobre o clero católico», em 1926.)

...E assim se vê como o próprio clero católico reconhecia que a situação da ICAR durante a República era de maior liberdade do que o fora durante a monarquia. Enfim, o mito depois divulgado foi exactamente o contrário: que a ICAR teria sido «perseguida» durante a República. E o mais incrível é que ainda hoje há quem acredite nisso. Inclusivamente gente muito «à esquerda»...

sexta-feira, 28 de outubro de 2005

Cavaco enganou-se na ocasião

Ao ouvir ontem o discurso de Cavaco Silva na apresentação do seu manifesto, tive a sensação muito nítida de que Cavaco Silva caíra num sono profundo logo após o seu famoso artigo sobre a «má moeda», do qual só acordara no início deste mês. Efectivamente, o programa apresentado ontem é tão detalhado, conjuga tantas vezes o verbo «apoiar» (seguido de coisas tão diversas como «o empreendedorismo» ou «a cultura») que a conclusão me apareceu como óbvia: Cavaco Silva acredita que ainda estamos em Fevereiro de 2005, e que disputará, em Janeiro de 2006, eleições legislativas. Portanto, enganou-se na ocasião.

quinta-feira, 27 de outubro de 2005

A Comissão de Honra de Cavaco Silva

António dos Santos Ramalho Eanes, General, Presidente da República (1976-86) (É o único que aparece fora da ordem alfabética: vem em primeiro lugar...)
Abdool Karim Vakil, Economista (Na condição de Presidente do Banco Efisa ou na condição de Presidente da Comunidade Islâmica de Lisboa?)
(...)
António Lobo Xavier, Advogado (Será alguma coisa ao dirigente do CDS?)
(...)
António M. Martins da Cruz, Embaixador (Não é o pai da Diana?)
(...)
Carlos Lopes, Maratonista Medalha de Ouro Olímpica (Que é feito do Fernando Mamede?)
(...)
Carlos Queirós, Treinador de futebol (Ai interessa-se por política?)
(...)
João Bosco Soares Mota Amaral, Jurista (Com trinta anos de dedicação permanente à política? Bah...)
(...)
João Carlos Espada, Professor universitário
(...)
João Luís César das Neves, Professor universitário
(E aí estão dois dos meus três ódios de estimação. Só fica a faltar o Boaventura, mas esse apoia o Louçã.)
(...)
João Pedro Pais, Músico (Também se interessa por política?)
(...)
José Oulman Bensaúde Carp, Empresário (Sentá-lo ao lado do Vakil.)
(...)
Manuela Teixeira, Professora do ensino secundário
(...)
Maria Fernanda Mota Pinto, Professora ensino secundário
(A primeira está aqui por ser sindicalista. E a segunda?)
(...)
Maria José Nogueira Pinto, Jurista (É alguma coisa à vereadora do CDS/PP na Câmara de Lisboa?)
(...)
Manuel Alves, Criador de moda/Manuel Campilho, Agricultor (Porque não um bailarino e um servente da construção civil?)
(...)
Nuno Gama, Estilista (Não estou a ver quem é.)
(...)
Paulo Teixeira Pinto, Gestor (Sentá-lo do outro lado do Vakil.)
(...)
Pedro Lamy, Automobilista (E um taxista, porque não um taxista?)
Pedro Lomba, Docente universitário/Pedro Paes de Vasconcellos, Professor universitário (Não sei bem qual será a diferença de estatuto, mas há uma pergunta que me mói a moleirinha: que é feito do Pacheco Pereira?)
(...)
Ricardo Sá Pinto, Futebolista/Rita Guerra, Cantora/Rita Ferro, Escritora/Rui Chancerelle de Machete, Jurista/Rui Meireles, Historiador/Rui Veloso, Músico/Rui Vieira, Engenheiro/Ruy de Carvalho, Actor (Uma sequência de profissões muito diversificada, sim senhor! Mesmo assim, continuam a faltar um pianista de jazz e um jardineiro...)
(...)
Teresa Perry Vidal, Notária/Tiago Bettencourt, Cantor dos «Toranja» (Importa-se de repetir?)
(...)
Vera Pires Coelho, Empresária/Vergílio Folhadela Moreira, Gestor/Vítor Bento, Economista/Vitor Martins, Economista (Não faço a mínima ideia quem são, mas fica muito bem fechar a lista com gente dada ao ofício da massa...)

quarta-feira, 26 de outubro de 2005

Dificuldades para o novo presidente polaco

A Polónia poderá ver os seus direitos de voto no Conselho Europeu suspensos, se o novo Presidente, o católico ultra-conservador Lech Kaczynski, reintroduzir a pena de morte ou se mantiver a sua feroz oposição à concessão de direitos aos homossexuais. Quem o afirma é a própria Comissão Europeia.
Confesso que, embora seja tudo menos europeísta, estou pronto a conceder que a União Europeia tem exercido uma pressão salutar na democratização dos países do leste da Europa, como este caso poderá vir a demonstrar.

segunda-feira, 24 de outubro de 2005

Revista de blogues (24/10/2005)

  1. «A longa noite polaca», por Boss, no Renas e Veados (sobre o resultado da eleição presidencial na Polónia, onde a vitória foi para um católico conservador; o artigo inclui um mapa dos resultados eleitorais que expõe uma fractura leste-oeste evidente).
  2. «Rankings», por Rui Pena Pires, no Canhoto (uma desmontagem muito oportuna da campanha a favor da escola privada que tem sido feita através das «seriações» de escolas no Público e no Expresso, e na qual pontificam ex-maoístas reciclados em conservadores como José Manuel Fernandes e João Carlos Espada).
  3. «Mais dois poemas de Camões traduzidos para caboverdeano (por José Luis Tavares)» no Blogue de Esquerda (II) (quem não acredita que leia: é mesmo Camões em caboverdeano, uma oportunidade única ou pelo menos rara!).

sexta-feira, 21 de outubro de 2005

O neoliberalismo fica caro ao Estado

Segundo afirma um associação sindical ouvida pelo Diário de Notícias, o Estado poderia poupar mais de um milhão de euros se entregasse a disciplina de inglês do ensino básico (uma das medidas emblemáticas de Sócrates) aos professores de inglês desempregados e não, como está a acontecer, às escolas privadas de línguas.
É uma maravilha, o neoliberalismo: privatiza-se a educação, aumenta-se a despesa pública e incrementam-se os lucros privados...

quinta-feira, 20 de outubro de 2005

Timothy Garton Ash: «Soldiers of the Hidden Iman»

«The political system of the Islamic Republic of Iran is at once fiendishly complex and extremely simple. Most of the Iranians I met preferred to stress the complexity. The country has at least two governments at any one time: a semi-democratic formal state structure, now headed by President Mahmoud Ahmadinejad, and a religious-ideological command structure headed by the Supreme Leader, Ayatollah Ali Khamenei. There are numerous shifting formal and informal power centers, including political parties in parliament, ministries, rich religious foun- dations, the Revolutionary Guards, and the multimillion-man Basij militia, whose mobilization helped Ahmadinejad to get elected.
(...)
In a communist party-state, the party line was to be found in the pages of Pravda or Neues Deutschland. In the Islamic mullah-state, the "imam line" is handed down through Friday prayers, two sessions of which I attended, first at the gorgeous Pattern-of-the-World mosque in Esfahan and, the next week, in a closely policed compound at Tehran University. In both places a high-ranking Islamic clergyman—the chair of the Guardian Council, at my Tehran session—delivered a fulminating political homily, denouncing in particular America and Britain. The political message was sandwiched between conventional Muslim prayers, like a kebab wrapped in nan bread. In Tehran, the final prayers ended with an orchestrated crowd chant: "Down with America! Down with Israel! Down with the enemies of the Guardianship of the Jurist!"
(...)
Iran is a remarkably old country, with some 2,500 years of continuous history. It is also a remarkably young country. Two thirds of its 70 million people are under thirty years of age.
(...)
The potential of what I came to think of as Young Persia is huge. These young Iranians are educated, angry, disillusioned, impatient, and when they leave college most of them will not find jobs appropriate to their training. Given time and the right external circumstances, they could take the lead in exerting the kind of organized social pressure that would allow —and require—the advocates of reform, even of transformation, to gain the upper hand inside the dual state
(Timothy Garton Ash, na New York Review of Books.)

A diferença não é sociológica

Argumenta-se muitas vezes que a Espanha é um país mais «aberto», mais secularizado, etc e tal, e que é essa a razão para que o PSOE se possa empenhar num processo (embora moderado...) de laicização do Estado, enquanto o PS português exibe, ostensivamente, um «medinho» da ICAR decepcionante.
Será isto verdade? Será Portugal sociologicamente mais conservador do que a Espanha?
Vejamos, para começar, as percentagens de casamentos exclusivamente civis em cada um dos países ibéricos nos anos mais recentes.
(País\Ano) 1999 2000 2001 2002 2003
Portugal 34% 33% 37% 37% 40%
Espanha 24% 24% 27% 29% 33%
E mais, em 2003 houve 15 divórcios por cada 100 em Espanha, e em Portugal 42 por cada 100.
E mais ainda, em 2003 23% das crianças espanholas nasceram de mães solteiras, e no mesmo ano 27% das crianças portuguesas nasceram de mães solteiras.
Pegue-se por onde se pegar, a verdade é que Portugal está à frente da Espanha no processo de secularização sociológica. Porque será que não há um avanço correspondente na laicização política?
Alguém me faz o favor de explicar isto à direcção do PS? Ou, no mínimo, à Comissão Política de Manuel Alegre? (Ou até ao PCP e ao BE?)
(Se alguém estiver nessa disposição, até posso fornecer gráficos...)

terça-feira, 18 de outubro de 2005

A «globalização» como equívoco

Um dos termos mais controvertidos do vocabulário político actual (e quase tão mal definido como o lendário «politicamente correcto») é a «globalização». O termo é encontrado no centro de grandes polémicas, sempre usado como arma de arremesso, mas raramente é definido com precisão. É utilizado com dois significados principais, nem sempre distinguidos:
  1. Como descrição do aumento de tráfego comunicacional simbolizado pela internete, pela TV por cabo e pelo turismo intercontinental de massas;
  2. Como a hegemonia nos governos europeus e norte-americanos e nas organizações internacionais (Banco Mundial, Organização Mundial de Comércio, União Europeia) da corrente ideológica iniciada por Tatcher e Reagan («neoliberalismo»).

As pessoas de esquerda que se dizem «contra a globalização» geralmente referem-se à segunda acepção do termo; as pessoas de direita que acusam a esquerda de ser «contra a globalização» geralmente confundem os dois significados, o que se explica em parte por má fé, e em parte por uma crença teleológica na capacidade do neoliberalismo/tatcherismo para gerar avanços tecnológicos.

segunda-feira, 17 de outubro de 2005

Revista de blogues (17/10/2005)

  1. «O Requerimento», por Luis Rodrigues (no Random Precision), embora eu não concorde com o pedido de «duplicação de instalações» nos cemitérios: parece-me suficiente um único espaço para velar os mortos, desde que este possa ser suficientemente flexível para acomodar pessoas de todas as religiões e nenhuma.
  2. «A corja negra», por Filipe de Castro (no Oeste Bravio).
  3. «Recordar o nazi-fascismo», por Carlos Esperança (no Ponte Europa).

sexta-feira, 14 de outubro de 2005

Entrevista de Salman Rushdie

«(...)
P. Bernard-Henri Levy afirma que el centro del radicalismo islámico se está desplazando hacia Oriente, a Asia, donde vive la mayoría de musulmanes. Aduce que "Cachemira es la nueva Palestina". ¿Está usted de acuerdo?
R. Lo dice porque está preocupado por Pakistán. En lo que tiene razón es en que, detrás del general Musharraf, existe la posibilidad de una terrible situación en la que los islamistas radicales tomen el control del armamento nuclear. Si eso ocurre, eclipsaría cualquier otro problema en el mundo. Si Musharraf es asesinado y algún radical del servicio de inteligencia paquistaní se hace con el poder, los talibanes tendrán la bomba.
P. Tras los atentados de Londres, Iqbal Sacranie, jefe del Consejo Musulmán del Reino Unido, condenó los actos de sus "hijos" y dijo que planteaban un "profundo desafío" para los musulmanes locales. Aun así, también profesó simpatía hacia la fetua contra usted, aduciendo que "la muerte tal vez sea demasiado fácil" para el autor de Los versos satánicos. ¿No es precisamente ese doble rasero lo que ha creado un espacio para que los hijos de la comunidad musulmana de Europa cometan actos de terrorismo en su propia patria?
R. Creo que sí. El primer ministro británico Tony Blair está cometiendo un grave error al creer que estas voces ultraconservadoras, ultraortodoxas, no modernizadoras -y no terroristas, para ser justos- como la de Sacranie representan de algún modo a los británicos musulmanes. ¡Blair ha incluido al subjefe de Sacranie, que ha negado públicamente el Holocausto, en cierto comité que supuestamente combate el radicalismo islámico! Lamentablemente, los instintos de Blair, basados en la fe, le han llevado a creer que la solución son otras personas de fe. Uno de los problemas es que no existe ninguna institución verdaderamente representativa para los musulmanes británicos. La mayoría de los musulmanes de Inglaterra no están marginados ni son particularmente musulmanes. Abordan su fe de un modo mucho más desenfadado. Son ciudadanos, en primer lugar, y en segundo, o quizá en decimoséptimo lugar, musulmanes. La idea generalizada del Gobierno de Blair parece ser que todo el mundo es, en primer lugar, musulmán, y debe tratársele partiendo de esa base. La pregunta es cómo convencer a esa mayoría para que se organice.
P. Tariq Ramadan, el controvertido erudito que vive en Ginebra y que es una voz destacada de los musulmanes europeos, dice algo parecido. Afirma que el problema es la intolerante enseñanza del Corán por parte de los imanes de las cerradas comunidades de grandes ciudades europeas y que se han formado en el mundo árabe. Aun así, la mayoría de musulmanes, afirma, participan en una "revolución silenciosa" dirigida en buena medida por mujeres comprometidas con la democracia, la libertad de conciencia y el culto y la diversidad. Son ciudadanos de Occidente y buscan también en el islam el significado de su vida. Esta revolución silenciosa es el verdadero enemigo de los terroristas de Londres, porque se niega a aceptar la idea mundial de "nosotros contra ellos". ¿Usted está de acuerdo con eso?
R. Extrañamente, porque viene de Tariq Ramadan, más o menos coincido. La cuestión esencial aquí es la interpretación, o ityihad. Los musulmanes conservadores dicen que sólo los estudiosos islámicos, los ulemas, pueden interpretar el Corán. La élite religiosa mantiene así el control. Y debido a que su lectura del Corán es literal, nunca se cuestionan principios fundamentales. Por culpa de esta clase de proceso interpretativo se cometen tantas atrocidades. Uno de los motivos por el que mi nombre es Rushdie es que mi padre era admirador de Ibn Rush'd, el filósofo árabe del siglo XII conocido como Averroes en Occidente. En su época, defendía la idea no literalista para la interpretación del Corán. Según Ibn Rush'd, si Dios no utilizaba el lenguaje humano, la redacción del Corán tal y como la recibió la mente humana del ángel Gabriel, es en sí misma un acto de interpretación. El propio texto original es un acto de interpretación. De ser así, otras interpretaciones del Corán basadas en el contexto histórico, no literales, son bastante legítimas. En el siglo XII se rechazó este argumento. Debe volver a plantearse en el siglo XXI. En la actualidad, en gran parte del mundo musulmán ese estudio histórico está prohibido. Por eso, el lugar desde el que comenzar hoy en día es con una nueva erudición islámica. He pedido una Reforma islámica, pero podría implicar connotaciones erróneas, debido a la mentalidad puritana de Martin Lutero. Ilustración podría ser un término más apropiado. La idea es que el islam debe cambiar. La mano muerta del literalismo es la que está dando poder a los conservadores y a los radicales. Si quieres arrebatárselo, debes empezar por la cuestión de la interpretación e insistir en que todas las ideas, incluso las sagradas, deben adaptarse a nuevas realidades. Todas las demás grandes religiones han pasado por este proceso de cuestionamiento, pero siguen en pie. Un cuestionamiento islámico bien podría socavar a los radicales, pero no minará al islam.
P. ¿Qué supondría para unas mejores relaciones entre Occidente y el mundo musulmán que Turquía se incorporara a Europa?
R. No demasiado. Es un error convertirlo en un símbolo tan importante. El laicismo turco también parece un poco incierto ahora mismo, aunque se mantiene. Pero tienen grandes problemas que no han empezado a solucionar, comenzando por un Código Penal que se utiliza contra escritores y editores, 14 o 15 de los cuales están a la espera de juicio. Orhan Pamuk ha sido acusado por el mero hecho de decir que ocurre algo con la masacre otomana de armenios. El poder de los islamistas todavía es demasiado grande. Así que el escepticismo sobre la entrada de Turquía en Europa está fundamentado. Si Turquía quiere unirse a Europa, deberá convertirse en un país europeo, y eso podría llevarle mucho tiempo.
»
(Salman Rushdie em entrevista ao El Pais de 13/10/2005; ler na íntegra.)

sábado, 8 de outubro de 2005

Revista de blogues (8/10/2005)

  1. «Laicidade e Estado de direito», por Rui Pena Pires, no Canhoto.
  2. «A Vontade de Deus», por Luís Rodrigues, no Random Precision.
  3. «Autárquicas - Madeira», por Carlos Esperança, no Ponte Europa.

sexta-feira, 7 de outubro de 2005

Revista de imprensa (7/10/2005)

  1. Uma cortina de ferro separa hoje a Europa da África no Mediterrâneo. Junto ao muro da vergonha, em Ceuta e Melilha, morrem quase diariamente pessoas que apenas desejam fugir da pobreza e da opressão política, envergonhando uma Europa rica, cada vez mais fechada sobre si própria e indiferente à sorte dos seus vizinhos africanos. (Ler a notícia das últimas vitímas no Diário de Notícias.)
  2. Em Portugal, mesmo uma rapariga violada com um papel do tribunal que o comprova não consegue fazer um aborto num hospital público. Um facto recolhido numa entrevista interessante de Miguel Oliveira da Silva também no Diário de Notícias.
  3. Na Folha de São Paulo, Hélio Schwartsman alinha argumentos contra os crucifixos que decoram muitas salas de tribunal do Brasil.

quinta-feira, 6 de outubro de 2005

Desfazendo os mitos sobre a República (4)

«[Afonso Costa] teria dito, em mais de um lugar e de uma ocasião, que com a Lei da Separação se propunha extinguir a religião católica em Portugal, em duas ou três gerações.
(...)
Segundo os autores da campanha, a frase teria sido proferida em três locais diferentes: em Lisboa, na sede do Grémio Lusitano (Maçonaria), em Braga e no Porto, respectivamente em 26 de Março, 24 e 25 de Abril de 1911. (...) Acontece, (...) que do discurso proferido por Afonso Costa no Grémio Lusitano, dada a natureza desta agremiação, não há relato jornalístico, a não ser a versão fantasiada do "Tempo", logo desmentida por jornalistas que, não nesta qualidade mas como membros do Grémio, assistiram à sessão. Quanto aos discursos que proferiu, nas datas atrás indicadas, em Braga e no Porto, dos quais há relatos nos jornais de Lisboa e do Porto, não figura em qualquer deles a frase e, pelo contrário, figuram afirmações que são o contrário daquela que, sem provas, lhe atribuíram.
(...)
Não há relato jornalístico da frase atribuída ao dr. Afonso Costa e há, publicado na Imprensa, o desmentido.
(...)
"Os reacionários, à falta de argumentos, atribuíram-me a intenção de, servindo-me da Lei da Separação, querer acabar com a religião católica entre nós ao fim de duas ou três gerações! (...) A verdade não é que a República queira mal à religião católica ou outra, mas que aquela entrou numa fase de decadência, em Portugal e na Europa, por culpa dos seus servidores. Isto escrevi eu já em 1895 no meu livro «A Igreja e a Questão Social». A Lei da Separação, em vez de ferir a religião católica, pretende que ela viva à margem da agitação política e procure ressurgir, pura e respeitável, pela fé e bondade dos seus sacerdotes".
(...)
Repetimos o que ele disse no Grémio Lusitano e foi textualmente o seguinte: "Com o seu aspecto mercantil degradante, consequência da influência dos jesuítas, aspecto a que emprestaram o seu selo as congregações e a Companhia de Jesus, a continuar esta situação, em breve a religião católica se extinguiria".
»
(Excertos do texto das páginas 147-163 do livro «Desfazendo Mentiras e Calúnias», de Carlos Ferrão.)

quarta-feira, 5 de outubro de 2005

terça-feira, 4 de outubro de 2005

4 de Outubro: o dia das barricadas

Freitas falou bem

«A União Europeia não pode ser um clube religioso ou uma academia de uma determinada cultura. A UE é um projecto político. Esse projecto baseia-se nos valores da democracia, da liberdade, dos direitos humanos, do desenvolvimento económico e da justiça social, sobretudo para os mais pobres. Estes valores são compatíveis com diferentes religiões, culturas e civilizações, desde que estas aceitem a ideia da democracia e da separação entre o Estado e a Igreja. (....) A Turquia foi o primeiro país islâmico que, já há muitos anos, desde o tempo de Ataturk, separou a Igreja do Estado e estabeleceu o Estado laico (...) faltava a componente democrática, que começa agora a ser construída. (...) Ao aceitarmos a adesão da Turquia à UE, estamos a enviar uma mensagem a todo o mundo islâmico [de que] não é a religião que nos separa. O que nos pode separar, nesta fase da História, será o facto de nós continuarmos democráticos enquanto alguns desses países não o são. Portanto, se um dia, voluntariamente, aderirem à democracia, aos direitos humanos e à separação entre o Estado e a Igreja, são bem-vindos à comunidade das democracias e têm as portas abertas. (...) Provavelmente isto desagradará a Ussama ben Laden, que terá feito tudo para evitar que este momento existisse.» (Fonte: Diário de Notícias)

Por uma vez, concordo com Freitas do Amaral, mas com uma ressalva: existem Estados que já foram aceites na UE e que tenho dificuldade em considerar democráticos. A Estónia, por exemplo, que exclui do jogo democrático 40% da população com base em critérios «étnicos». Seria portanto melhor colocar a enfase na falta de respeito pelos Direitos Humanos na Turquia.

De resto, a UE «consolou» os países que resistem à Turquia abrindo a porta à Croácia, esse «farol» do respeito pelas minorias e pelo direito internacional. A realidade, quer se queira quer não, é que a entrada na UE depende, apenas, de ter bons «padrinhos». A Áustria e a Alemanha, que supervisaram a independência da Croácia, pressionaram agora para o início das negociações de entrada deste país. É uma pura questão de interesse nacional, como a Grécia obteve a entrada de uma ilha asiática (o Chipre) por puro interesse nacional. Em Portugal, reflecte-se pouco sobre como funciona a UE, e existe ainda muita gente que pensa, ingenuamente, que há algo mais em jogo do que interesses nacionais. Deveríamos tirar as devidas consequências e entrar em campanha pela entrada de Cabo Verde na União Europeia, o que traria vantagens para Cabo Verde e Portugal...

sábado, 1 de outubro de 2005

A monarquia absolutista é uma tradição de liberdade

É visível na blogo-esfera portuguesa uma obsessão recorrente em criticar o Expresso. No entanto, este jornal de fim de semana, para além de trazer suplementos muito interessantes (o horário dos cinemas, por exemplo) tem duas grandes qualidades:
  1. há pelo menos uma edição por mês em que 10% das manchetes da primeira página correspondem à verdade;
  2. é o único jornal de grande circulação em que escreve João Carlos Espada.
Não sei se terei já aqui falado neste blogue de JC Espada: este intelectual de formação marxista-leninista-estalinista-maoísta(1) é uma das minhas figuras de culto, a par de João César das Neves e de Boaventura Sousa Santos. A sua defesa vigorosa(2) do liberalismo exprime-se através de uma prosa desassombrada, auto-irónica e despreconceituosa. Os textos teóricos em que explicou que o verdadeiro liberalismo consiste em usar gravata (e não calças de ganga) ou usar sapatos de biqueira fina no pino do Verão (e não chinelos) são clássicos do pensamento liberalista, assim como a sua defesa apaixonada da verdadeira tradição da liberdade: o clericalismo católico romano.
Na edição de hoje, JC Espada, iconoclasta como sempre, dedica-se a reclamar das autoridades públicas e privadas portuguesas(3) uma homenagem condigna à batalha de Trafalgar e à acção modernizadora da monarquia britânica, nomeadamente através de uma estátua aos ocupantes ingleses em geral e aos assassinos de Gomes Freire de Andrade(4) em particular. Como bónus, esclarece-nos de que Cavaco Silva não será uma «ameaça da direita», mas deixa a suspeita de que Mário Soares será uma «ameaça da esquerda», quiçá mesmo de extrema esquerda(5).
JC Espada é, efectivamente, um dos nossos grandes intelectuais pós-modernos. Só é imperdoável que, desta vez, tenha escrito um artigo inteiro sem uma única palavra em inglês.

(1) Espero não me ter esquecido de nada.
(2) Um liberal genuíno escreveria «vigorosa defesa», mas eu não sou liberal: sou conservador.
(3) Uma distinção irrelevante para um liberal verdadeiro, veja-se o caso de Avelino Ferreira Torres...
(4) Segundo JC Espada, um precursor do ideário político do Bloco de Esquerda.
(5) JC Espada usa, aqui, a linguagem da extrema direita.

Richard Dawkins: «Opiate of the masses»

«Gerin oil (or Geriniol to give it its scientific name) is a powerful drug which acts directly on the central nervous system to produce a range of characteristic symptoms, often of an antisocial or self-damaging nature. If administered chronically in childhood, Gerin oil can permanently modify the brain to produce adult disorders, including dangerous delusions which have proved very hard to treat. The four doomed flights of 11th September were, in a very real sense, Gerin oil trips: all 19 of the hijackers were high on the drug at the time. Historically, Geriniol intoxication was responsible for atrocities such as the Salem witch hunts and the massacres of native South Americans by conquistadores. Gerin oil fuelled most of the wars of the European middle ages and, in more recent times, the carnage that attended the partitioning of the Indian subcontinent and, on a smaller scale, Ireland.
Gerin oil addiction can drive previously sane individuals to run away from a normally fulfilled human life and retreat to closed communities from which all but confirmed addicts are excluded. These communities are nearly always limited to one sex, and they vigorously, often obsessively, forbid sexual activity. Indeed, a tendency towards agonised sexual prohibition emerges as a drably recurring theme amid all the colourful variations of Gerin oil symptomatology. Gerin oil does not seem to reduce the libido per se, but it frequently leads to a prurient desire to interfere with, and preferably reduce, the sexual pleasure of others. A current example is the horror with which Gerin oil users view homosexuality, even when expressed in long-term loving relationships.
Gerin oil in strong doses can be hallucinogenic. Hardcore mainliners may hear voices in their heads, or see illusions which seem to the sufferers so real that they often succeed in persuading others of their reality. An individual who reports high-grade hallucinogenic experiences may be venerated, and even followed as some kind of leader, by others who regard themselves as less fortunate. Such following-pathology can long postdate the leader's death, and may expand into bizarre psychedelia such as the cannibalistic fantasy of "drinking the blood and eating the flesh" of the leader.
Strong doses of Geriniol can also lead to "bad trips," in which the user can suffer morbid delusions and fears, notably fears of being tortured, not in the real world but in a postmortem fantasy world. Bad trips of this kind are bound up with a punishment culture which is as characteristic of this drug as the obsessive fear of sexuality already noted. The punishment culture fostered by Gerin oil culminates in the sinister drug-induced fantasy of "allo-punishment"—the belief that individuals can and should be punished for the wrongdoings of others (known on the in-group grapevine as "redemption").
Medium doses of Gerin oil, though not in themselves dangerous, can distort perceptions of reality. Beliefs that have no basis in fact are immunised, by the drug's own direct effects on the nervous system, against evidence from the real world. Oil-heads can be heard talking to thin air or muttering to themselves, apparently in the belief that private wishes so expressed will come true, even at the cost of mild violation of the laws of physics. This autolocutory disorder is often accompanied by weird tics, hand gestures or other stereotypies, for example rhythmic head-nodding towards a wall.
As with many drugs, refined Gerin oil in low doses is largely harmless, and can even serve as a social lubricant on occasions such as marriages, funerals and ceremonies of state. Experts differ over whether such social use, though harmless in itself, is a risk factor for upgrading to harder and more addictive forms of the drug.
Gerin oil acts synergistically with sleep deprivation, self-mutilation and starvation. Addicts have been known to fast, whip their own backs, or perform other painful "penances" as means of enhancing the drug's potency. Mutilation is not limited to users themselves. Various Gerin oil-based sub-cultures ritually injure their own children, especially when they are too young to resist. These mutilations usually involve the genitals.
You might think that such a potentially dangerous and addictive drug would top the list of proscribed substances, with exemplary sentences handed out for trafficking in it. But no, it is readily obtainable anywhere in the world and you don't even need a prescription. Professional pushers are numerous, and organised in hierarchical cartels, openly trading on street corners and even in purpose-made buildings. Some of these cartels are adept at parting clients from their money. Their "godfathers" occupy influential positions in high places, and they have the ear of presidents and prime ministers. Governments don't just turn a blind eye to the trade, they grant it tax-exempt status. Worse, they subsidise schools with the specific intention of getting children hooked.
I was prompted to write this article by the smiling face of a very happy man in Bali (see picture). He was ecstatically greeting the news that he was to be executed by firing squad for the brutal murder of large numbers of innocent holidaymakers whom he had never met. Some people in the court were shocked at his lack of remorse. But far from remorseful, his mood was one of obvious exhilaration. He punched the air, delirious with joy that he was to be "martyred," to use the jargon of his particular sub-culture of Gerin oil substance-abusers. For, make no mistake about it, this beatific smile, looking forward with unalloyed pleasure to the firing squad, is the smile of a junkie. Here we have the archetypal mainliner, doped up with hard, unrefined, unadulterated, high-octane Gerin oil.
It is easy to regard such people as evil criminals, from whom the rest of us need protection. Indeed, we do need protecting from them. But the problem would not arise in the first place if children were protected from becoming hooked on a drug with such a bad prognosis for their adult minds.»
(Richard Dawkins na Prospect.)