sábado, 31 de janeiro de 2009

Sobreviventes da explosão fazem luto por perda trágica de gasolina

Mais um sátira da Onion. Desta vez sobre o reduzido valor que chega a ser dado à vida humana:

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

AAP - entrevista na Rádio Europa

Entrevista do Ludwig Krippahl (Vice-presidente da Associação Ateísta Portuguesa) na Rádio Europa: parte 1, parte 2.
Gostei.

A fascização da ICAR

Praticamente desde o início do reinado de B16 que o Diário Ateísta alertou que Ratzinger planeava abrir as portas aos lefebvristas, a ala abertamente fascista, lunática, do catolicismo.

Concretizada há poucos dias, a reconciliação com os fascistas que Ratzinger expulsara a contra-gosto já causa problemas: «descobriu-se» que um dos quatro bispos nomeados por Lefebvre, o inglês Williamson, nega o genocídio dos judeus às mãos dos nazis, que reduz a «200 ou 300 mil mortos». Não é nada que o Diário Ateísta não tivesse já noticiado em 2005. Falta aos media tradicionais «descobrirem» que outro dos bispos lefebvristas considera que «os judeus são os mais activos artesãos da vinda do anti-cristo».

O rabinato de Israel, entretanto, cortou relações com o Vaticano, o que permite a B16 manifestar-se incomodado, ele que conhece estes rapazes de gingeira. Sabe bem que dentro de duas semanas os media já terão esquecido que a unidade da ICAR ratzingeriana se faz à custa dos «católicos progressistas» (uma espécie em vias de desaparecimento nos dias que correm), e graças à pitoresca «Fraternidade São Pio X».

Resta saber que os desexcomungados repudiam que as mulheres católicas casem com ateus (seria «conduta cruel e atroz», caro Policarpo), que defendem que a pena de morte «é um ensinamento tradicional da ICAR» (ouviste, Bento Domingues?), que a Inquisição «deve ser reabilitada» (explica lá, Anselmo...) e que os católicos «não têm nada de que se envergonhar no trabalho passado deste santo tribunal». Visitai e pasmai.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Religião e sociedade - III

Muitos dos que defendem a virtude da religião independentemente da existência de Deus referem a acção social desenvolvida por diferentes Igrejas.
Alegam que os laços comunitários promovidos pela religião, os preceitos por elas defendidos ou a mera acção do clero levam a que os mais desfavorecidos encontrem uma ajuda à qual não teriam acesso de outra forma.

Nas sociedades onde uma determinada instituição religiosa tem muito poder, não há dúvida que isto se verifica. Parece que as diferentes formas de solidariedade entre desconhecidos são mediadas pela crença religiosa, e as instituições religiosas mais poderosas parecem monopolizar a acção social.

No entanto, não observamos que exista menos solidariedade entre estranhos nas sociedades menos religiosas. Como referido no texto anterior, verifica-se o contrário: regra geral, as sociedades mais solidárias são as menos religiosas.

É mais fácil perceber esta relação se assumirmos que é solidariedade laica que diminui o apelo da religião, do que se assumirmos que é a diminuição do papel da religião que incentiva a solidariedade laica ao ponto desta superar aquela que a antecedeu. Mas os dados mostram claramente que a diminuição da religiosidade não acarrecta, por si, uma diminuição das prestações sociais aos mais desfavorecidos.

Devo acrescentar que as expressões de solidariedade laicas me parecem mais positivas que as suas análogas religiosas. No geral, ambas são positivas: partem em grande medida de sentimentos altruistas e generosos, revelam aquilo que de melhor existe nas pessoas, e têm geralmente consequências que encaro como globalmente positivas.

Mas a expressão de solidariedade laica, desperdícios à parte, tenderá a concentrar os esforços na mitigação do problema social no qual se propôs trabalhar.
Já a expressão de solidariedade religiosa, muitas vezes com a melhor das intenções, irá canalizar parte dos esforços para o proselitismo religioso. Assumindo que a ajuda espiritual é a mais importante das ajudas - assunção que creio ser comum na generalidade das religiões teístas - aqueles que procuram ajudar dedicam parte significativa dos seus esforços a que estes tenham reflexo nas convicções religiosas daquele que é ajudado.

Se eu considerasse que a religião em questão é verdadeira, aplaudiria tal ordenamento de prioridades. Vendo-a como uma superstição, lamento-a. Vejo-a aliás como um desperdício de esforço e de recursos algo contra-producente. Assim, mesmo vendo algo de positivo numa expressão de solidariedade mediada pela religião, considero menos positivo do que essa mesma expressão de solidariedade sem superstições pelo meio.

Ideias e pessoas

Quem escreve sobre religião tem que explicar ciclicamente que criticar ideias não é atacar pessoas.

Em princípio, deveria ser bem simples: dizer que «Deus» não existe, que as «aparições» de Fátima são um disparate ou que o Islão é liberticida não deveria ofender ninguém. Quem crê em «Deus» não é automaticamente um tolo, quem acredita nas «aparições» de Fátima não tem que ser um cretino, e ser islâmico não acarreta ser um fascista ou um fanático bombista.

Infelizmente, muitos religiosos sentem-se pessoalmente ofendidos quando as suas ideias são criticadas. E se compreendo que a religião é importante para quem é profundamente crente, tenho dificuldade em entender que queiram resguardar da crítica o que não é mais do que ideias. Eu não me sinto ofendido quando me dizem que a democracia é um desastre, que a laicidade é opressão ou que a ciência é perigosa. Não concordo, e respondo. Porque todos erramos. Quando defendo a democracia, a laicidade ou a ciência, posso errar ou não me explicar bem. E os argumentos só melhoram quando criticados.

Ou será que a religião é tão frágil que não sobrevive à crítica?
[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

Revista de blogues (28/1/2009)

  1. «A realidade resiste bem à má-língua. A religião é que não. O ritual, a suposta virgem, o sagrado e essas tretas, por ser tudo mera invenção e palavreio, são muito vulneráveis à crítica. Ironicamente, a lei só protege a religião da “ofensa” porque a religião não merece respeito. Se merecesse respeito não precisava ser protegida das críticas de ninguém. Quando temos razão não precisamos de nos fazer de ofendidos por discordarem de nós nem pedir que nos protejam da crítica. Nem o crente precisa disso. O religioso é que não pode fazer mais nada a não ser ofender-se a ver se têm pena dele. (...)» (Ludwig Krippahl no Que Treta!)
  2. «A nova Constituição boliviana (...) foi antecedida de uma feroz campanha política em que a religião foi a protagonista. (...) «Sabeis que querem tirar Deus da Bolívia?», «Não sejas cúmplice do pecado. Vota não» e «Escolhe Deus. Vota Não». Noutro momento de propaganda a favor do Não, dois rapazes beijam-se enquanto uma voz off condenatória carpe : «se aprovar a Constituição será permitido o casamento de homens com homens e mulheres com mulheres». De facto, embora nada na nova constituição contemple o aborto ou o casamento homossexual, esta não consagra a sacralidade de óvulos, espermatozóides e embriões. Para além disso, garante a auto-determinação sexual e reprodutiva (...)» (Palmira Silva na Jugular.)

Obama incomoda

Obama incomoda. Quem? Estes, por causa disto.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O regime jardinista visto de Espanha

O modo de funcionar da cleptocracia madeirense: dinheiro continental que a) paga obras públicas; b) propaganda em jornais estatais e privados; c) um exército de funcionários (24% da população activa). Até quando se permitirá isto? E qual poderá ser a solução? (Uma frente eleitoral das oposições?)

  • «Alberto João Jardim, 65 años, es un político fuera de lo común, que ostenta el récord mundial de permanencia en el poder por vía democrática. Nada menos que 30 años como presidente del Gobierno Regional de Madeira, entidad autónoma de soberanía portuguesa, ganando elección tras elección por mayoría absoluta. Sólo Muammar el Gaddafi acumula más tiempo como líder supremo de Libia (39 años), pero el coronel nunca se ha sometido al veredicto de las urnas. (...)
    ###
    Jardim es un producto genuinamente madeirense, catapultado a partes iguales por la Iglesia y el antiguo régimen. Durante la dictadura fue el protegido del hombre del salazarismo en Madeira, su tío Agostinho Cardoso, cuyo pensamiento derechista quedó reflejado en las columnas, a veces incendiarias, que publicaba en La Voz de Madeira, altavoz del dictador en la isla. (...)
  • Treinta años en el poder y el pueblo le sigue votando. ¿Cuál es la clave del éxito? El dinero, en primer lugar. Madeira ha sido durante décadas la región portuguesa que, proporcionalmente, más se ha beneficiado de la solidaridad nacional y de la Unión Europea (UE). El régimen autonómico le permite recaudar íntegramente todos los impuestos que se pagan en el archipiélago, sin devolver nada a Lisboa; el Estado portugués aporta unos 300 millones de euros por año para compensar los efectos de la insularidad; y, durante décadas, la UE ha inyectado grandes sumas de dinero: 2.000 millones de euros en los fondos comunitarios de los últimos 15 años. (...) "Con millones hago inauguraciones, con inauguraciones gano elecciones", fue el lema que le permitió triunfar por mayoría absoluta en nueve comicios consecutivos. Haciendo caso omiso a las recomendaciones del Tribunal Constitucional, las inauguraciones se han convertido en actos de campaña, con comidas pagadas a la población. En Madeira, la línea que separa medios de comunicación y propaganda es imperceptible. El Telejornal de la cadena pública RTP Madeira es conocido popularmente como TeleJardim. De la decena de emisoras de radio privadas, todas reciben subsidios del Estado. El Jornal de Madeira, antaño propiedad de la Iglesia, es el único diario estatal en Portugal como instrumento de propaganda política. La ley impide que sea gratuito y se vende al precio simbólico de 10 céntimos. (...) Los 30.000 funcionarios repartidos en dependencias de la administración regional, ayuntamientos y servicios de la República son un pilar fundamental del régimen de Jardim. Es una cifra que habla por sí sola para una población activa de 120.000 personas y que absorbe el 23,9% del presupuesto de Madeira. (...) Sí acude a la Cámara, en alguna ocasión, el presidente, a quien el reglamento le autoriza a hablar sin límite de tiempo y no le obliga a responder eventuales preguntas de los diputados. El debate brilla por su ausencia en un Parlamento que no ejerce sus funciones de fiscalización, y en cuya Mesa sólo está representado el PSD, partido oficialista. Sus señorías, además, no están sujetas a ningún régimen de incompatibilidades, caso único en Portugal, lo que les permite hacer negocios con o al margen del Gobierno. (...)» (El País)

Obama cumpre(3)

Ainda na primeira semana de mandato, Obama toma medidas para diminuir a dependência do petróleo.

Só mais uma coisa

Quando falo na ponta de um icebergue refiro-me,por exemplo, ao caso do Padre James D. Foley, cujo ficheiro foi entregue a um advogado por engano.

Enquanto investigava o Padre James J. Foley, sob suspeita de abuso sexual de menores, o advogado solicitou o ficheiro à diocese de Boston, que lhe enviou o ficheiro de James D. Foley (que tinha deixado a amante morrer de overdose e fugido da casa dela, deixando a filha - que era dele! - de 2 anos sozinha, com a mãe a morrer. Mais tarde voltou a casa e chamou uma ambulância. A diocese conseguiu que se abafasse o caso).

Ou então o caso do bispo Thomas J. O'Brien (que escrevi aqui ou no outro blog)? Atropelou e matou um desgraçado e fugiu. Foi apanhado a tentar arranjar o carro às escondidas.

Como no mundo empresarial, a hieraquia da ICAR não premeia os melhores e os mais honestos...

Homofobia & Pedofilia

Parece que o meu comentário sobre o problema da pedofilia na ICAR americana chocou algumas pessoas. Eu estava a exagerar, como é óbvio, quando escrevi "como é costume entre os católicos".

Mas não devemos imaginar que o problema era localizado e está resolvido. A pedofilia (e a sexualidade dos padres de maneira geral) na ICAR americana é um problema gravíssimo e que não tem solução. A ICAR tem uma falta de padres enorme e não pode mandar para casa todos os pedófilos, ou os que se metem com paroquianas casadas, ou os homossexuais.

A Wikipedia tem um texto bastante equilibrado sobre este assunto. A maioria dos analistas pensa que os 11.000 casos conhecidos são a ponta dum icebergue. A impunidade em que a ICAR viveu nos EUA foi má conselheira e permitiu que o problema alastrasse e que certos seminários se tornassem conhecidos como centros de pedofilia.

Há poucos anos, em 2002, houve uma conferência de bispos em Dallas sobre o problema da pedofilia na igreja e o 'Dallas Morning News' noticiou que 2/3 dos bispos presentes tinham abafado escândalos e protegido criminosos no passado. Não parece possível que a solução para este problema venha de dentro.

A pedofilia na ICAR terá de ser reprimida pela polícia e pela sociedade civil.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Homofobia

Ted Haggard, feroz crítico da homossexualidade, antigo presidente da National Association of Evangelicals (NAE) e conselheiro de George W Bush, em 2006 viu-se obrigado a confessar publicamente que recorria regularmente aos serviços de um prostituto e demitiu-se da NAE. Três anos depois, no meio de uma operação de relançamento da sua careira, foi apanhado outra vez, literalmente, com as calças na mão.

Ted Haggard é o fanático que insulta Dawkins no documentário "The Root of all Evil" e um feroz proponente do criacionismo. O reaparecimento da cara dele na televisão é recente e faz parte da estratégia de terra queimada da extrema-direita, que se está a organizar para fazer a vida o mais miserável possivel a Obama.

Em prol dos evangélicos devemos reconhecer que, embora a hipocrisia seja sempre uma coisa repugnante, devemos reconhecer-lhes o bom gosto de não violarem crianças, como é costume entre os católicos.

A Idade Média

O idiota do partido da liberdade e democracia na Holanda vai a tribunal por insultar "os muçulmanos" com este filme, que o fundamentalista cristão Balkenende aplaudiu imediatamente. O muçulmanos responderam com este filme, que é uma expressão muito tímida das brutalidades dos cristãos.

O PVV é um partido horrível e Balkenende - apoiante entusiasta de Bush e da invasão do Iraque e criacionista assumido - devia calar o bico. Mas esta histeria à volta de um filme onde nada é inventado dá que pensar. Parece que o pessoal não gosta que se fale de coisas chatas e de fundamentalistas. Enterrar a cabeça na areia não me parece uma estratégia muito inteligente. Os fundamentalistas são uma expressão muito real das religiões todas e metem bombas e matam pessoas sempre que podem.

Eu esperava que todos os muçulmanos aplaudissem todos as críticas a estes tarados e apoiassem todos os esforços para os denunciar e combater.

Mas parece que não. Parece que os muçulmanos se sentiram insultados. E parece que europeus preferem que não se fale de coisas chatas: homossexuais enforcados, mulheres apedrejadas, crianças brutalizadas, atentados terroristas contra civis, incitações ao ódio mais selvagem e discursos trogloditas contra a liberdade, a democracia e os Direitos do Homem.

Eu acho que estes trogloditas têm de ser identificados e reprimidos.

Não tenho dúvidas de que Geert Wilders é um anormal. Mas o filme dele é um documentário importante sobre os extremistas muçulmanos. Um filme que toda a gente devia ver.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Amor Cristão

Mais um escândalo sexual com padres católicos. Desta vez em Verona: 67 surdos-mudos abusados durante anos a fio por 25 padres e outros religiosos do Centro.

Isto são obviamente as pontas de um icebergue gigantesco.

Obama cumpre(2)

E ao terceiro dia de mandato, Obama toma uma medida que desagrada à direita religiosa: levantou as restrições ao financiamento governamental de organizações que façam IVG´s.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Obama cumpre

(Fotografia gamada no The Guardian.)

O segundo dia do presidente Obama é um dia grande para os Direitos do Homem: confirma-se o encerramento de Guantánamo, e a modificação das regras de detenção e interrogatório (tortura) dos prisioneiros da «guerra cósmica contra o terrorismo», incluindo o fim (espera-se...) das prisões secretas do magrebe e do leste da Europa, e a aplicação das convenções de Genebra. Resta saber o que será feito com os detidos: repatriamento, exílio em países terceiros ou julgamento em solo dos EUA?

Olivier Roy: «Islamists you can talk to»

  • «From Gaza to Kandahar, the new Obama administration is confronted with two kinds of Islamist movements: the ones with a global agenda (Al Qaeda and its local subsidiaries) and the others with a territorial and national agenda (Taliban, Hamas, most of its Iraqi opponents).
    There is nothing to negotiate with the global jihadists, but the Islamo-nationalist movements simply cannot be ignored or suppressed.

    Hamas is nothing else than the traditional Palestinian nationalism with an Islamic garb. The Taliban express more a Pashtu identity than a global movement. The Iraqi factions are competing not over Iran or Saudi Arabia, but over sharing (or monopolizing) the power in Iraq.
    The "war on terror" during the Bush years has blurred this essential distinction by merging all the armed opponents to U.S.-supported governments under the label of terrorism. The concept of a "war on terror" has thwarted any political approach to the conflicts in favor of an elusive military victory.
    (...)
    ###
    As far as Hamas is concerned, the issue rests with the leaders of Israel, not those in Washington. (Forget about U.S. pressure on Israel. Such pressure could force a temporary agreement but not a long-term solution.)
    Nevertheless, for both Afghanistan and Palestine, the issue is the same: If the nationalist dimension supersedes the global jihad - which I think it does - how can a solution be found based on recognizing the legitimacy of nationalist aspirations?
    (...)» (Olivier Roy no International Herald Tribune; via Jugular.)

Religião e sociedade - II

Sou da opinião que a inexistência de Deus não implicaria necessariamente que as religiões em geral seriam nefastas para a sociedade.

Mas sou da opinião que existem várias razões para acreditar que são. Vou expô-las nos próximos textos desta série, mas antes gostaria de abordar as razões que habitualmente são apresentadas para defender que as religiões seriam virtuosas mesmo que Deus não existisse.

Começarei por abordar a questão da moralidade em geral.

Há quem argumente que Dostoiewsky tinha razão quando escreveu «Se Deus não existisse, tudo seria permitido». Sem Deus, alegam, não existe fundamento, razão ou motivação para a moral.

Geralmente os ateus respondem a esta argumentação com alguma revolta. Acham algo mesquinho que alguém acredite que não existe qualquer justificação para o altruismo fora da vontade egoísta de ser recompensado depois da morte. Ou então lembram que o Deus de muitos crentes, a avaliar pelos escritos sagrados, não parece ser o mais nobre dos agentes morais. Que para se fazer uma leitura decente e civilizada dos textos sagrados é preciso ir buscar os valores civilizacionais a algo exterior a esse texto, para então fazer uma interpretação que distorça a sua mensagem ao ponto de esta não ser completamente bárbara. E por fim alegam que colocar Deus como fundamento da moral apenas tira a responsabilidade de escolher qual a moral por que se deve reger a cada indivíduo, sobrando ainda o problema de fundamentar a moralidade desse suposto agente moral a que chamam Deus.

Todas estas são discussões interessantes, mas para o efeito deste texto creio que é mais relevante procurar dados empíricos que possam indiciar se a alegação religiosa segundo a qual Deus é importante para a moralidade faz o seu sentido.

Sobre este assunto, escrevi há uns anos um texto que agora reproduzo:

«Causas sociais do Ateísmo

Foram feitos vários estudos, pela parte de diferentes autores, tendo como por objectivo determinar a percentagem de ateus nos diferentes países do mundo. Phil Zuckerman compilou os dados de muitos desses estudos para produzir um trabalho denominado «Atheism: Contemporary Rates and Patterns» («Ateísmo: Taxas e Padrões Contemporâneos»)
Depois de uma extensa exposição de todos os estudos de opinião em que se baseou (cerca de uma centena), Zuckerman elabora uma lista de países por ordem da percentagem de ateus que existem. Zuckerman também deixa claras todas as ressalvas relativas aos vários erros que podem ocorrer nos diferentes estudos de opinião. Na Arábia Saudita a percentagem de ateus está provavelmente sub-estimada, e na China estará sobrestimada, por exemplo. De qualquer forma, Zuckerman tira conclusões do vasto conjunto de dados que apresenta acerca da explicação que pode existir para as elevadas taxas de descrença. Vou traduzir parte dessas conclusões:

«O que é que causa a gritante diferença entre as nações em termos da taxa de descrença? Porque é que quase todas as nações de África, América do Sul e Sudeste Asiático contêm quase nenhum ateísmo, mas em muitas nações europeias os ateístas existem em abundância? Há numerosas explicações (Zuckerman, 2004; Paul, 2002; Stark and Finke, 2000; Bruce, 1999) Uma teoria liderante vem de Norris and Inglehart (2004), que defendem que em sociedades caracterizadas por uma plena distribuição de comida, excelente serviço público de saúde, e habitação globalmente acessível, a religiosidade esvai-se. [...]
Através de uma análise das estatísticas globais actuais de religiosidade em relação à distribuição do rendimento, equidade económica, gastos com a segurança social, e medimentos básicos da segurança ao longo da vida (vulnerabilidade quanto à fome, destares naturais, etc...) Inglehart e Norris (2004) defendem convincentemente que apesar de numerosos factores possivelmente relevantes para explicar a distribuição mundial da religiosidade, «os níveis de segurança da sociedade e do indivíduo parecem constituir o factor com mais poder explicativo» (p. 109). Claro que, como em qualquer teoria social abrangente, existem excepções. Os incontornáveis casos do Vietname (81% de descrentes) e da Irlanda (4-5% de descrentes) não correspondem ao que se esperaria através da análise de Inglehart e Norris.»

O autor acaba então por fazer uma distinção entre ateísmo orgânico: aquele que surge naturalmente nas sociedades sem qualquer encorajamento por parte do regime político, e o «ateísmo coercivo» que surgiu pela imposição política. Encontra então uma enorme correlação entre o ordenamento por ateísmo orgânico e o ordenamento por desenvolvimento humano. Mostra também que os países com maiores taxas de homicídios são todos extremamente religiosos.Fica por explicar a excepção que a Irlanda constitui. Mas para mim, essa excepção é muito natural. A Irlanda é um país rico há pouco tempo, e a sociedade ainda não se adaptou a essa riqueza. Dentro de uns anos, parece-me, até a própria Irlanda confirmará esta tese.»

Se não compararmos os diferentes países do mundo, mas sim vários dos estados dos EUA podemos comparar sociedades relativamente semelhantes, mas onde o grau de religiosidade pode variar significativamente.
São muito citadas as estatísticas das prisões federais (Denise Golumbaski, Research Analyst, Federal Bureau of Prisons, compiled from up-to-the-day figures on March 5th, 1997), segundo as quais 0.21% dos prisioneiros é ateu. Isto num país em que os ateus, conforme os diferentes estudos, estão entre os 4% e os 13% da população.
Mas mais curioso ainda que essas estatísticas é verificar que entre os estados mais religiosos dos EUA (a chamada «Bible Belt») estão 6 dos 7 estados com maior criminalidade, com especial destaque para o Louisiana, o estado com maior taxa de religiosidade praticante, que tem o dobro da taxa de homicídios.

Não quero usar estes resultados para afirmar que as pessoas religiosas têm maior propensão inata para a crueldade ou para a violência. Creio que a religião não encoraja ninguém a fazer aquilo que essa pessoa vê como o «mal». Grande parte da explicação para esta correlação entre religiosidade e propensão para o crime reside no facto de serem aqueles que têm menos instrução os que têm maior probabilidade quer de ir parar à prisão, quer de serem muito religiosos.

Mas estes resultados também desmentem decididamente a tese do colapso moral sem religião. E outra coisa não seria de esperar, visto que as raizes da moralidade encontram-se na selecção natural. O homem tem instintos morais, os quais devem ser domados pela razão para que sejam mais profíquos nas suas consequências. Se Deus não existir, a religião é uma superstição que atrapalha um pouco a moralidade, pois faz com que a discussão e evolução moral seja, mais do que influenciada pela discussão crítica e racional entre os diferentes agentes, também constrangida por superstições sem fundamento.

O ponto triplo da água e a «Santíssima Trindade»

Meti-me num debate noutro blogue com o intrépido Jónatas Machado. Como tudo o que o envolve no blogue do Ludwig, já passa dos cem comentários.

Mas enfim. Ao fim de muita prosa, estou a chegar à conclusão de que afinal há harmonia entre ciência e teologia. Por exemplo, o ponto triplo da água é só uma representação da «Santíssima Trindade». O «Espírito Santo» é o estado gasoso (porque anda por toda a parte); o «Filho», como é um condensado do «Espírito Santo» no útero de Maria, deve ser o estado líquido; e o «Pai», bom, há-de ser de gelo, porque deixou o «Filho» morrer sem fazer nada.

Fica o desabafo.

Concordata no Brasil

São muito interessantes os vídeos que se podem ver aqui, sobre a ocultação pelos media brasileiros da acordo (Concordata) assinado com a Santa Sé.

(Obrigado, Marco.)

Ler mais: texto da Concordata; crítica laicista.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Experiência blogosférica

No Arrastão, o Daniel Oliveira escreveu:

Ao que parece, os muçulmanos de uma cidade inglesa conseguiram bloquear a campanha do autacarro ateísta, pressionando a empresa de autacarros para não a aceitar. E esta, lamentavelmente, cedeu.

E os comentários não se fizeram esperar. Alguns indignados - e bem - com as limitações à liberdade de expressão. Outros foram mais longe e atribuiram o sucedido exclusivamente à intolerância islâmica, não só pugnando pela laicidade, como destacando a diferença a esse nível entre o catolicismo e o islamismo. Os comentários falam por si:

«Pois, esta gente tem muito que pedalar para chegar ao século XXI, como dizia um amigo meu, ainda não sairam da idade média, ainda não entendi o que o Ysuf Islam (Cat Stevans) viu no islão.»
«Veja o que aí vem, como beneplácito da esquerdalha.»
«Afinal o Cardinal Patriarca tinha alguma razão no que disse no casino.»
«Todos têm o direito de expressão seja de que forma for e qualquer tentativa de sabotagem deve ser reprimida por quem de direito. (…) Hoje é assim no Reino Unido, amanhã temos a sharia a reger. O situacionismo com o seu complexo (incutido) do homem branco está a destruir séculos de evolução, para o qual está-se a marimbar pois a cretinice tem visão curta com palas nos olhos.»
«É mais um exemplo entre tantos, das cedências que todos os dias por essa Europa fora se vai fazendo ao fanatismo religioso islâmico.»
«Esta inércia faz rir os opressores pois estes sabem que estão protegidos, não usam os mesmos métodos e nem têm condicionantes do ponto de vista moral. Têm uma agenda definida e tem conseguido marcar posição até ao dia que eventualmente ganharão e volta-se à idade média.»
E, por fim, um leitor pergunta-se: «E se fosse outra religião, nomeadamente a católica, a empresa teria cedido?» E outro responde: «É esta sociedade laica que tão valentemente massacra todas as posições da Igreja, que se deixa submeter ao islamistas, até mesmo no campo judicial.»

Afinal, parece que não foi em Inglaterra mas sim em Itália, e não foram muçulmanos, mas sim católicos... Vejam o artigo original aqui.

Obama

Vim agora de uma festa da posse do novo presidente. Obama é o líder mais normal, mais culto e mais civilizado do mundo. E as festas da posse dele que a televisão passou foram uma celebração da tolerância, da diversidade e do civismo mais sofisticados do mundo. No discurso inaugural Obama referiu os ateus e deixou claro que a separação entre a igreja e o estado vai ser um facto durante os próximos 4 anos.

Mas o melhor deste dia foram o optimismo e a solidariedade que se sentiram em todas as cerimónias. Os meus amigos cristãos, ateus, judeus e muçulmanos, sentiram o mesmo alívio, a mesma alegria e o mesmo optimismo que eu senti ao ver um presidente que lê livros e gosta de música e viajou por todo o mundo e foi pobre e fazia as compras no supermercado até há poucos meses.

Ver Bush ser vaiadao foi um prazer. Vê-lo ir-se embora, humilhado por uma nação de 300 milhões de habitantes que repudiou o fascismo e a guerra económica, foi um prazer ainda maior. Mas ver um país como este acreditar num futuro melhor, apesar de tudo, e celebrar a diversidade e a democracia com tanto optimismo e tanto entusiasmo, foi uma experiência fantástica.

Todos sabemos que Obama vai ser rodeado e isolado e pressionado e impossibilitado de implementar reformas de fundo, que os media estão nas mãos dos oligarcas que gerem a ordem mundial, que 80% do país acredita em unicórnios, em deus, ou no Pai Natal, que 70% são criacionistas, que Israel manda em Washington e que há muito que Washington é governado pelos ricos e para os ricos. Mas este optimismo inspira e faz-nos acreditar na natureza humana, como a determinação dos franceses democratas durante o governo de Vichy, que Saint Exupéry descreve tão bem em "Vol de nuit".

:o)

Resumo

  1. «Vamos recolocar a ciência no seu devido lugar e dominar as maravilhas da tecnologia para elevar a qualidade do serviço de saúde e diminuir o seu custo. Vamos domar o sol e os ventos e a terra para abastecer os nossos carros e pôr a funcionar as nossas fábricas
  2. «(...) esta crise lembrou-nos que sem um olhar vigilante o mercado pode ficar fora de controlo – e que uma nação não pode prosperar quando só favorece os prósperos. O sucesso da nossa economia sempre dependeu não só da dimensão do nosso Produto Interno Bruto, mas do alcance da nossa prosperidade; da nossa capacidade em oferecer oportunidades a todos – não por caridade, mas porque é o caminho mais seguro para o nosso bem comum»
  3. «Quanto à nossa defesa comum, rejeitamos como falsa a escolha entre a nossa segurança e os nossos ideais.»
  4. «Nós somos uma nação de cristãos e muçulmanos, judeus e hindus – e não crentes
  5. «Aos povos das nações mais pobres, prometemos cooperar convosco para que os vossos campos floresçam e as vossas águas corram limpas; para dar alimento aos corpos famintos e aos espíritos sedentos de saber. E às nações, como a nossa, que gozam de relativa riqueza, dizemos que não podemos mais mostrar indiferença perante o sofrimento fora das nossas fronteiras; nem podemos consumir os recursos do mundo sem prestar atenção aos seus efeitos

(Barack Obama, ler na íntegra.)

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Teoria e prática

Vai-se compreendendo cada vez melhor o que quer o PS para a próxima legislatura:
  1. São contra os «paraísos fiscais» na teoria mas não na prática;
  2. São pela progressividade dos impostos e pela eliminação de certas pensões(!).

Sondagens

Vinda directamente do Margens de Erro, aqui está uma imagem esclarecedora:

O pesadelo chega ao fim

O presidente usurpador que atormentou o mundo durante os últimos 8 anos vai, finalmente para casa amanhã. O país e o mundo rejubilam de alívio, como no dia da libertação.

Bush festejou ontem o fim do segundo mandato. Uma festa triste de quem sabe que conta com o desprezo da História.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Religião e sociedade - I

Sou ateu. Como tal, considero que as crenças religiosas em geral - e mais ainda as teístas - são falsas.

Estamos habituados a ver a verdade como uma coisa boa, e a falsidade como uma coisa má. Assim, poderíamos pensar que parece claro a um ateu que as religiões, bem como as instuições que as promovem, são perniciosas.
Por difundirem falsidades, prejudicam o bem comum.

Mas podemos considerar a possibilidade teórica de que assim não seja. Poderão existir mentiras virtuosas? Poderá uma religião, apesar de falsa, ser uma força do bem? E na prática, isso acontece?

Queria começar esta série de textos pedindo aos leitores - sejam ateus ou crentes - as suas opiniões a respeito da seguinte pergunta:

«Se Deus não existisse, considerariam a religião em geral positiva? E a religião católica em particular?»

Dois passos à frente, um passo atrás

Ontem, Sócrates era finalmente a favor do casamento entre homossexuais. A JS e as associações LGBT rejubilaram. Hoje, já veio Santos Silva dizer que casamento sim, mas sem adopção. A isto, chama-se gestão de expectativas. E muito cuidadinho.
(É um pouco como passar da primeira página da moção de Sócrates; muda logo tudo.)

Descubra o autor

  • «O mundo acaba de assistir à clamorosa derrota do pensamento político neoliberal. A ideologia do mercado entregue a si próprio, sem Estado nem regulação capaz, e a especulação desenfreada nos mercados financeiros são os responsáveis principais pela profunda crise que se abateu sobre toda a economia mundial. A doutrina neoliberal, que professou a sua fé no mercado e desprezou o Estado e as suas funções sociais, não foi o único pensamento político a reclamar para si o estatuto de pensamento único. Anos antes, tinha também tombado o pensamento comunista, e o seu projecto de uma sociedade totalitariamente determinada pelo Estado. Também ele ambicionara ser um pensamento único, com pretensa fundamentação científica, querendo substituir o pluralismo das ideias pelo império da ortodoxia. Os factos encarregaram-se de demonstrar quão errados estavam tais pensamentos. Uma após outra, as ditaduras inspiradas pelo comunismo foram derrubadas pelos povos em busca de liberdade e democracia. Os conservadores quiseram ver aí o seu próprio triunfo e proclamaram o “fim da História”. Nova ilusão: a ideia de que bastava a liberalização dos mercados, sem intervenção relevante dos mecanismos de regulação; a rendição a mercados financeiros extremamente especulativos e cada vez mais distanciados da economia real; o ataque sistemático ao Estado social; a miragem do lucro fácil e o escandaloso aumento dos rendimentos auferidos por gestores e empresários especulativos; o desprezo pelas classes médias e populares – tudo isso contribui para uma crise mundial sem precedentes.» (Ler na íntegra.)
Resposta: formalmente, é mesmo este. Vai ser um ano politicamente interessante.
(Mas as páginas seguintes são bastante menos surpreendentes...)

AAP solidária com Policarpo

Note-se o título no Público. E a íntegra do comunicado.
  • «A Associação Ateísta Portuguesa (AAP), sem se rever nos conselhos do Sr. Patriarca, José Policarpo, às católicas jovens que eventualmente queiram casar com muçulmanos, manifesta-lhe pública solidariedade perante a onda de falsa indignação com que pretendem impedir-lhe o direito à livre expressão e aos conselhos que entende dar.
  • Carecem de legitimidade moral para condenar o patriarca, por sinal bastante tolerante, para um bispo, os que defendem a poligamia, a discriminação das mulheres, a decapitação dos apóstatas e a lapidação das mulheres adúlteras e pretendem que o Corão substitua o Código Penal. Antes de se manifestarem ofendidos com o cardeal, os líderes islâmicos em Portugal devem penitenciar-se do seu silêncio perante as ditaduras teocráticas do Médio Oriente e o carácter implacavelmente misógino do Islão. Face a qualquer mullah até Bento XVI parece um defensor dos Direitos do Homem.
  • Quem pretende que compreendam os seus preconceitos tem de os explicar com clareza. E quem quiser que respeitem as suas crenças tem de demonstrar que estas merecem algum respeito. Falta aos muçulmanos europeus explicar a que tipo de regime submeteriam os não muçulmanos se deixássemos que Alá se tornasse grande e Maomé fosse o único profeta. Falta-lhes justificar porque havemos de respeitar as suas crenças acerca das mulheres, dos apóstatas, dos outros crentes, dos ateus e de todos que critiquem a sua religião.
  • Mas compete também aos bispos católicos fazer o mesmo. Explicar o que fez a sua religião pela democracia e pelo livre-pensamento, sabendo-se que a derrota política da Igreja está na origem das liberdades individuais de que gozamos. E justificar porque hão de merecer respeito as crenças católicas acerca das mulheres, do divórcio, do sacerdócio, da homossexualidade e do que é ou não é pecado.
  • Não são só os muçulmanos que criam um “monte de sarilhos” sem necessidade. A AAP recorda que as três religiões do livro – judaísmo, cristianismo e islamismo – são anti-humanas e patriarcais. A misoginia não é uma tara exclusiva do Islão mas apanágio do texto bárbaro da Idade do Bronze – o Antigo Testamento –, herdada pelas referidas religiões. O racismo, a xenofobia, a misoginia e a homofobia são valores do Antigo Testamento.
  • As três religiões não têm feito mais do que reproduzir esses valores cruéis e obsoletos sendo o Islão, actualmente, a religião que mais implacavelmente se bate pela manutenção do obscurantismo.
  • A AAP reitera o seu firme propósito de defender as liberdades, nomeadamente a religiosa, do mesmo modo que defende o direito à descrença e à anti-crença.
    Odivelas, 18 de Janeiro de 2009
    Carlos Esperança
    (Presidente da Direcção)» (Comunicado recebido por correio electrónico.)

domingo, 18 de janeiro de 2009

Subculturas?

Até vir viver para o Texas sempre me considerei um conservador. Abominava os entusiasmos das utopias colectivistas e a Intersindical com a mesma repugnância com que imaginava os mongolóides das SA a imporem a nova ordem nacional socialista na Alemanha do início dos anos 30. repugnavam-me os jovens cubanos de lenço ao pescoço, quatro horas em pé a levarem com um sermão do camarada Fidel sobre a necessidade de pensarem todos a mesma coisa sobre o mundo para evitarem o caos e a destruição.

Nunca tive dúvidas que de a única causa do subdesenvolvimento portugês era a ICAR e achava, embora sem grande entusiasmo, que a França ou a Alemanha dos anos 70 e 80 representavam um modelo de sociedade mais equilibrado e mais livre do que a Noruega ou a Finlândia.

Achava os monárquicos portugueses uma curiosidade antropológica simpática, como os rosacianos e os vegetarianos.

As coisas degradaram-se bastante em Portugal com os garotos neo-cons que invadiram o PSD de Cavaco Silva e depois Guterres e o Opus Dei acabaram de me abrir os olhos para a calosidade neo-nazi do conservadorismo dos anos 80.

Com o passar da década de 80 deixei de votar AD para votar PS e depois PSR. Mas até vir para aqui e ver o que a direita fez ao planeta durante os últimos oito anos, nunca me tinha apercebido do fosso que separava a direita humanista (a minha) da direita dura.

Há um fosso cultural enorme e óbvio, entre os humanistas que lêem livros (que são hoje a esquerda) e os janotas que entulham os bancos da Baixa coma 'Bola' debaixo do braço (que são hoje o caroço da direita). Mas acho cada vez mais que há diferenças mais profundas e inconciliáveis entre nós. A simplicidade infantil dos argumentos da direita faz-me concordar com Krugman quando ele diz que o Partido Republicano é o partido dos estúpidos, ou com Dawkins, quando ele insinua que a religião é uma desordem neurológica que torna as pessoas burras e disfuncionais.

Esta tarde passei 5 minutos pelo "Blafémias" e achei que a idade mental daquele blog é para aí uns 12 anos. A sério. A ausência de nuances, a visão moralista, de um manicaísmo absolutamente infantil, é quase embaraçosa de ler.

Como é que pode haver diálogo, por exemplo, entre uma pessoa como Obama e esta gente, tão emotiva e tão simplória?

Onde é que está a direita intelectual dos anos 50 e 60?

Eu acredito que o mundo precisa de uma esquerda e de uma direita [sobre as diferenças entre a esquerda e a direita, vale a pena ver o vídeo de Haidt no TED (que acho que já indiquei aqui)], mas se o QI da direita continua a cair desta maneira o problema deixa de ser entre subculturas e passa a ser, como nos anos 30, entre os valores duma classe média diminuta e os duma maioria de mongolóides incivilizados e capazes das coisas mais horríveis...

Israel

Espero que com o cessar fogo as pessoas não se esqueçam de que os palestinianos vão continuar a sofrer as brutalidades e as humilhações da extrema direita israelita. Se indiquei (num dos comentários abaixo) o texto de Sarah Roy é porque ele refere a parte mais importante desta história, a que os media nunca referem: os palestinianos foram desumanizados e equiparados a 'terrotistas'. Sarah Roy lembra-nos que não é justo falarmos deste conflito como se houvesse simetria entre o exército de ocupação e os ocupados. O texto é de 2002, mas aplica-se perfeitamente:

"Within the Jewish community it has always been considered a form of heresy to compare Israeli actions or policies with those of the Nazis, and certainly one must be very careful in doing so. But what does it mean when Israeli soldiers paint identification numbers on Palestinian arms; when young Palestinian men and boys of a certain age are told through Israeli loudspeakers to gather in the town square; when Israeli soldiers openly admit to shooting Palestinian children for sport; when some of the Palestinian dead must be buried in mass graves while the bodies of others are left in city streets and camp alleyways because the army will not allow proper burial; when certain Israeli officials and Jewish intellectuals publicly call for the destruction of Palestinian villages in retaliation for suicide bombings, or for the transfer of the Palestinian population out of the West Bank and Gaza; when 46 percent of the Israeli public favors such transfers and when transfer or expulsion becomes a legitimate part of popular discourse; when government officials speak of the "cleansing of the refugee camps "; and when a leading Israeli intellectual calls for hermetic separation between Israelis and Palestinians in the form of a Berlin Wall, caring not whether the Palestinians on the other side of the wall may starve to death as a result."

sábado, 17 de janeiro de 2009

O presidente tonto

A América, mesmo no Texas, não consegue reprimir a alegria de ver Bush ir-se embora da Casa Branca e levar os evangélicos com ele. Os idiotas do costume (Kristol, Coulter, Limbaugh, Hannity, O'Reilly, etc.) ainda tentam fazer umas piadas e alguns falam a sério: "a história ainda não acabou e o Iraque pode perfeitamente vir a ser uma democracia parlamentar!" Outros já começaram a escrever livros que demonstram que Bush é um tonto, mas bom homem, e que Cheney é o demónio...

Mas o melhor trabalho sobre a presidência Bush, a verdadeira, a que realmente vai ficar para a História, está aqui.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Pequena Correcção



A esta imagem.

Resposta a um ateu

O ateísmo não é nem uma igreja nem um projecto de uniformização social, e está bem assim. Portanto, não ambiciono discutir qual será «o único ateísmo lógico», ou como um ateu deve viver o seu ateísmo. Mas devo dizer que me espanta ver um ateu a considerar «cruzada ateísta» (e «patética») a circulação de algumas dezenas de autocarros e a publicação, em três anos, de duas dezenas de livros por Dawkins e mais alguns. Para não sair de Portugal, a ICAR tem espaços regulares na TV pública (formais e informais), canais de rádio, professores e capelães pagos pelo Estado, dezenas de revistas e jornais, e nunca dei conta de que o mesmo ateu considerasse tudo isso uma «cruzada católica». Mas enfim. «Cruzada» deve ser exprimir uma convicção minoritária sem subsídios do Estado.

Interessa-me rebater a tese de que as sociedades não podem subsistir sem religião, e que rapidamente encontrariam um substituto se esta desaparecesse.

Primeiro, convém saber do que falamos: a «religião» desempenha muitos papéis diferentes, e a importância relativa de cada um tem variado ao longo da história. A religião enquanto mundividência (o «relegere») caminha para a irrelevância em quase toda a Europa. Há países onde a maioria já é «sem religião» (exemplo clássico, a República checa). E não me parece que se verifique uma adesão em massa à astrologia ou à IURD. A religião enquanto «cola» social informal (o «religare») tem substitutos não religiosos (que me parecem quase todos preferíveis às religiões tradicionais, abraâmicas), dos clubes de xadrez aos clubes desportivos, das sociedades filarmónicas às sociedades científicas, passando por muitos outros espaços associativos não estatais. Será Policarpo preferível à colectividade de chinquilho? Eu acho que não.

Segundo, entre a ICAR e a IURD, a diferença essencial é apenas de número. Uma igreja é uma seita que teve sucesso. Os métodos de recrutamento são os mesmos, mas os primeiros metem-nos a mão na carteira (via Estado), e os segundos não. Além disso, são os primeiros que nos querem dizer como devemos viver, das leis sobre a IVG à concepção de ensino público. Não duvido que os segundos fariam o mesmo do que os primeiros se tivessem peso para tal (como já acontece no Brasil), mas centrar críticas nos pequenos é fácil de mais e, isso sim, quase sempre contraproducente.

A religião desaparecerá ou não. O mais importante é que nos deixem viver e exprimir-nos em igualdade de circunstâncias.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

Thomas Friedman

Como a maioria dos jornalistas multimilionários que aproveitaram a guerra para engordarem (ainda mais) durante estes últimos oito anos, Tom Friedman é um homem corajoso.

A prostituição é uma profissão dura, embora se diga que quando se exerce todos os dias, ao fim de uns anos certas humilhações deixam de incomodar os verdadeiros profissionais. Diz-se que, com o tempo, mesmo a satisfação de perversões ignóbeis, que requerem posições dolorosas e desconfortáveis, se pode tornar num prazer, considerando o cheque que se recebe no fim. Friedman é um natural e a sua calosidade faria corar a própria Messalina.

O conhecido neo-con acordou "verde" no rescaldo da administração Bush (parece que Bush deixou de ser o maior presidente de sempre, o geopolítico genial que ia transformar o Médio Oriente numa série de democracias parlamentares, descer o preço do barril de petróleo para metade, destruir a economia francesa e vingar o orgulho israelita com a invasão do Iraque...) e decidiu escrever outro livro, outra pérola para a literatura da década, desta vez a explicar-nos que o problema do Mundo afinal não são os muçulmanos, mas o consumismo.

Vale a pena ler a recensão crítica de Matt Taibbi aqui:

"When some time ago a friend of mine told me that Thomas Friedman’s new book, Hot, Flat, and Crowded, was going to be a kind of environmentalist clarion call against American consumerism, I almost died laughing.

Beautiful, I thought. Just when you begin to lose faith in America’s ability to fall for absolutely anything—just when you begin to think we Americans as a race might finally outgrow the lovable credulousness that leads us to fork over our credit card numbers to every half-baked TV pitchman hawking a magic dick-enlarging pill, or a way to make millions on the Internet while sitting at home and pounding doughnuts— along comes Thomas Friedman, porn-stached resident of a positively obscene 114,000 square foot suburban Maryland mega-monstro-mansion and husband to the heir of one of the largest shopping-mall chains in the world, reinventing himself as an oracle of anti-consumerist conservationism.

Where does a man who needs his own offshore drilling platform just to keep the east wing of his house heated get the balls to write a book chiding America for driving energy inefficient automobiles? Where does a guy whose family bulldozed 2.1 million square feet of pristine Hawaiian wilderness to put a Gap, an Old Navy, a Sears, an Abercrombie and even a motherfucking Foot Locker in paradise get off preaching to the rest of us about the need for a “Green Revolution”? Well, he’ll explain it all to you in 438 crisply written pages for just $27.95, $30.95 if you have the misfortune to be Canadian."

Continua.

Obama

Hoje no NYT, um comentário de um leitor sobre a possível nomeação de Sanjay Gupta, um homem de mão das companhias de seguros, para Surgean General, resumiu od próximos 4 anos de vida política nos EUA:

"I have an uncomfortable sense of déja vu — the Obama administration will be just like that of Clinton — so much promise, so much hope, squandered. Just one disappointment after another.
— m. doe"

Para quem não se importa de ver imagens repugnantes: O debate entre Gupta e Moore, aqui.

A existência e a bondade

Ao debater com crentes (aparentemente católicos) nas caixas de comentários de outro blogue, apercebi-me de como muitos crentes (talvez uma esmagadora maioria), não conseguem separar a questão da existência de «Deus» da respectiva bondade.

Ora, «Deus» existe ou não independentemente da sua «bondade» (ou da sua «maldade»). Mais: antes de abordar a questão das escolhas morais que «Deus» faz (ou não), antes sequer da questão de saber se «criou» um mundo injusto (ou justo), está a questão da existência.

Penso que a confusão dos católicos a este respeito tem duas origens. Por um lado, acham que sem acreditar em «Deus» não há razões para ser «bom». Por outro, acham que o universo tem um propósito (ético).

A primeira ideia é ofensiva, e é desmentida pelos factos. A segunda apela a um desejo de conforto com o cosmos, a uma esperança de que o universo seja mais do que poeira e pedra. É tocante, mas enganoso. E não me parece que seja conciliável com o que observamos na natureza, da violência entre espécies à morte térmica das estrelas, passando pelos tsunamis e pelo cancro da mama.

(Mas é sempre fascinante entender com que medos e desejos joga a religião.)

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

Obama perante os laicistas

A Americans United for Separation of Church and State partilha as suas preocupações com o novo presidente dos EUA (ver abaixo). Infelizmente, não creio que a mudança, a este respeito, seja grande.
  1. «Urge immediate repeal of Bush-era executive orders promoting “faith-based” initiatives George Bush implemented his pet projects via executive orders and regulatory changes. These outrageous regulations can be nullified by the stroke of a pen. AU will work to see that happen!
  2. Push for reform of the White House faith-based office AU will begin by pressing for new rules stating that religious groups can’t preach on the taxpayer dime or pressure people in need to take part in religious worship. We’ll demand reasonable oversight and insist that the office be de-politicized.
  3. Make sure America gets better judges AU must work with Senators to make sure that only judges who understand the wisdom and values of our Constitution are confirmed from district courts up to the Supreme Court!
  4. Demand reform of the U.S. Department of Justice Under Bush, attorneys at the Justice Department worked hand-in-hand with the Religious Right to erode church-state separation and trample on our rights. Americans United will fight hard to ensure that the department protects rather than tramples Americans' religious freedoms.
  5. Ensure the end of federal support for school vouchers AU will continue to educate lawmakers as to why vouchers are not the way to go, pushing especially for an end to the Washington, DC voucher program.
  6. Prompt the severing of the tie between fundamentalism and the U.S. military Fundamentalist Christian groups have ingratiated themselves into all branches of the U.S. military. Americans United will continue its watchdog activities, speaking out when violations occur.
  7. Promote public policy based on science, not theology For eight years, the Bush administration played favorites by constantly kowtowing to its fundamentalist allies and ignoring or sidelining scientists when making public policy decisions. AU will push for sound science as the basis for policy decisions, continue our critical education efforts, and will litigate whenever necessary to prevent religion from being taught in science classrooms.
  8. Help preserve the ban on church politicking The Alliance Defense Fund spent much of last year urging pastors to openly defy the law banning church politicking, eager to get a new test case in the courts. AU must be ready to meet this legal challenge and make sure the ban on pulpit politicking is upheld by Congress.
  9. Encourage legislators to block sectarian resolutions Religious Right groups have successfully pushed through resolutions or symbolic statements in Congress, state legislatures and local governments to promote Christianity. Though they don't have the force of law, they're still offensive, sending the message that some Americans are second-class citizens based on what they believe (or don’t believe) about religion. AU will oppose such efforts wherever they arise.» (Americans United)

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

David Miliband: «"War on terror" was wrong»

David Miliband, Ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, já entendeu que os tempos estão a mudar e que a «guerra contra o terror» não voltará a ser a mesma.
  • «(...) The idea of a "war on terror" gave the impression of a unified, transnational enemy, embodied in the figure of Osama bin Laden and al-Qaida. The reality is that the motivations and identities of terrorist groups are disparate. Lashkar-e-Taiba has roots in Pakistan and says its cause is Kashmir. Hezbollah says it stands for resistance to occupation of the Golan Heights. The Shia and Sunni insurgent groups in Iraq have myriad demands. (...) Terrorist groups need to be tackled at root, interdicting flows of weapons and finance, exposing the shallowness of their claims, channelling their followers into democratic politics.
    The "war on terror" also implied that the correct response was primarily military. But as General Petraeus said to me and others in Iraq, the coalition there could not kill its way out of the problems of insurgency and civil strife.
    This is what divides supporters and opponents of the military action in
    Gaza. Similar issues are raised by the debate about the response to the Mumbai attacks. (...) We must respond to terrorism by championing the rule of law, not subordinating it, for it is the cornerstone of the democratic society. We must uphold our commitments to human rights and civil liberties at home and abroad. That is surely the lesson of Guantánamo and it is why we welcome President-elect Obama's commitment to close it. (...)» (David Miliband no The Guardian.)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Sobre a "Conspiração Mundial Judaica"...

Houve aqui comentários sobre a possibilidade de o Ricardo não estar a brincar quando escreveu a expressão "conspiração judaica". Julgo que quem lê este blog regularmente percebe imediatamente que o Ricardo estava a gozar, a exagerar uma coisa que precisa de ser discutida, porque me parece que os media consideram "os judeus" tabu. Por exemplo, aqui nos EUA há um grupo de fanáticos que desata a chamar "anti-semita" a quem disser mal de um judeu qualquer, por uma razão qualquer. E eu acho que este tabu é, como todos os tabus, inimigo do raciocínio lógico.

Primeiro que tudo acho que fazíamos bem em concordar que os judeus são seres humanos iguaizinhos a todos os outros e que, embora uma minoria minúscula entre eles se comporte como se tivesse sido escolhida por deus, há fanáticos entre todas as religiões, como os há entre os agnósticos e entre os ateus. Alguns muito mais idiotas, diria eu, do que os judeus messianicos mais extremistas.

Segundo acho importante separar os judeus de extrema-direita das pessoas que se vêem a si próprias como judias pelo mundo fora. Como disse alguém aqui na lista, os judeus americanos (que são aliás menos de 2% da população) votaram em massa em Gore e em Kerry, e agora em Obama. Aliás, se todos os não judeus do planeta demonstrassem o amor e o respeito que muitos judeus americanos têm pela educação, pela ciência e pela cultura, estavamos muito melhor do que estamos, governados por cristãos da mais diversa pena e pêlo.

Se pensarmos bem, uma das raízes mais importantes do anti-semitismo na Europa foi a reacção da aristocracia rural aos ideais do Renascimento e ao poder dos comerciantes instruídos, que destruíram o mundo medieval e transferiram o poder dos campos e dos castelos para as cidades e os palácios. Alguns destes homens eram judeus e as pessoas simples preferem ter um inimigo bem definido do que argumentar ideias e tentar verbalizar sentimentos, alguns inconfessáveis, aliás, por serem mesquinhos e invejosos.

Dito isto, acho importante sublinhar que os grupos de pressão pro-israelitas (de extrema-direita) são extraordinariamente eficazes e têm um peso desproporcionado, indecentemente desproporcionado, na política americana. A situação miserável em que Condoleeza se meteu é apenas uma de uma sucessão de situações miseráveis em que os políticos americanos se metem cada vez que querem tentar resolver o problema de Israel com justiça e imparcialidade.

Os grupos de pressão da extrema-direita pro-israelita (cheios de ateus e de não judeus, aliás) são um problema gravíssimo para a paz no mundo. Acho que lhes podemos chamar "a conspiração mundial judaica" por piada, sabendo que estamos a ser profundamente injustos. Mas podemos culpá-los por serem poderosos? Por fazerem o trabalho de casa a horas?

Não será mais justo culpar as classes políticas americana e europeia por serem uns hipócritas, uns cobardes e uns preguiçosos sem coluna vertebral, incapazes de fazerem frente aos ricos e aos poderosos?

Generalizando perigosamente, os cristãos adoram acreditar no Pai Natal, em milagres e em anjos, e respeitam naturalmente as hierarquias: os católicos porque acham que o pensamento crítico e independente dissolve a cola social, os protestantes porque acreditam que os ricos são ricos pela graça de deus. "Os judeus" acham a educação uma coisa valiosa e respeitável. Por exemplo: embora "os judeus" sejam menos de 2% da população americana, os estudantes que se indentificam como sendo judeus são cerca de um terço dos alunos em universidades como Harvard, George Washington, U. Penn., NYU, Columbia, Emory, Tulane, etc.

O nazismo europeu teve em si um factor especialmente repugnante para mim, no sentido em que foi uma vitória nietzschiana dos fracos e dos broncos sobre uma minoria tradicionalmente mais instruída, que deu ao mundo um número desproporcionado de médicos, de físicos, de químicos, de historiadores, de antropólogos, de músicos, de pintores, de dramaturgos e de filósofos.

Mas acima de tudo, parece-me inacreditável que a palavra "judeu" esteja hoje conotada com a extrema-direita e com a brutalidade israelita. A esmagadora maioria dos judeus quer é viver em paz e ser feliz, como o resto do mundo.

Israel está cheio de pessoas de bem, que condenam a brutalidade racista da direita e a quem a brutalidade assassina dos extremistas palestinianos, que usam crianças mortas como adereços publicitários, não permite qualquer espaço de acção.

Israel é a Africa do Sul da próxima década. Mas não devemos demonizar os Sul Africanos brancos todos, como se as pessoas fossem iguais e pudessem agir livremente, de acordo com as suas consciências, independentemente das circunstâncias.

Pede-se um pouco mais de coragem, cidadão Policarpo!

O José Policarpo acha que as portuguesas não se devem casar com muçulmanos. As mulheres, note-se, pelo que se presume que os portugueses podem casar com muçulmanas. Portanto, o problema é o machismo dos muçulmanos, que quando levam as incautas portuguesas «para o país deles» as «sujeitam ao regime das mulheres muçulmanas». Eu concordo com o Policarpo. Não simpatizo muito com machismos e sujeições, ainda mais quando religiosamente justificados e acompanhados de véus obrigatórios e outras menorizações das mulheres.

Só há um pequeno problema. Há também machismo entre judeus e cristãos. Os primeiros costumam rezar todas as manhãs «abençoado sejas, Deus nosso Senhor, por não me teres feito mulher», e em Israel não permitem às mulheres que iniciem um processo de divórcio (aos homens permitem). Os segundos não têm mulheres sacerdotes e continuam obcecados com a «virgem Maria», sem nada dizerem da virgindade de «Cristo», o que é revelador...

Enfim, que o Policarpo ande desgostoso com o Islão, eu compreendo (e partilho). Também concordo que «é muito difícil» dialogar com islâmicos, pois acham que «a verdade deles é única e é toda». Acontece que tenho tido o mesmíssimo problema com católicos e outros cristãos.
Se Policarpo quer ser levado a sério, tem que dar mais um ou dois passos (o que requer uma coragem que eu duvido que tenha), e aplicar a outros a crítica que faz ao islão. Pode começar pela casa dele.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

Polly Toynbee: «My Christmas message? There´s probably no god»

Uma grande mulher que vale sempre a pena ler.

  • «(...) This has been the year of religion's fightback against secularism - a word made almost synonymous with the spiritual and moral decadence of materialism. Angered by the runaway success of anti-God books by Richard Dawkins, Christopher Hitchens, AC Grayling and others, the different faiths - though each believes it has the one and only divinely revealed truth and often fights to the death to prove it - combine in curious harmony against secularists.
    They blame us for all the evils of modernity, as if they could point to some morally better time when people feared God and sinned less. There is, of course, no evidence that God-fearers ever behaved better than the ungodly. One of the great mysteries of religion is why, even when people believed that heaven awaited the virtuous and everlasting torment was the destiny of sinners, there is no sign it made them any less prone to all the sins flesh is heir to. Yet they turn on atheists for lacking any moral base without a God.

    ###
    I could say we are mortally offended and demand protection from such insult. But it is the prerogative of religions to be protected from feeling offended. Priests, imams and rabbis reserve for their beliefs a special respect, ringfenced from normal public argument. It is abusive and insulting to suggest that belief in gods and miracles is delusional, or that religions are inherently anti-women and anti-gay. Meanwhile, non-believers suffer the far worse insult that we inhabit a moral vacuum. But we will live with the insult if we are free to reply that there is no inherent virtue in being religious either: it does not make people behave better.
    The unctuous claim there is a special religious ethos that can be poured like a sauce over schools and public services to improve them morally has been bought, to a depressing extent, by Labour, and over a third of all state schools are now religious institutions - despite overwhelming evidence that their only unique quality is selection of better pupils, storing up trouble with ever more cultural segregation.
    (...)» (Polly Toynbee no The Guardian.)

Pois não, pois não...

Chegou o desmentido do ajoelhar de Bush perante Olmert. Convincente? Não acho. Se isto se passasse com Portugal (um primeiro-ministro estrangeiro a ditar o nosso sentido de voto) seria razão para demissão do governo. Na minha exigente opinião, claro. E Portugal não tem a margem de manobra dos EUA...
  • «Confrontado com estas declarações, o porta-voz da Casa Branca Tony Fratto, garantiu que “muito do que foi noticiado não é rigoroso” e há “várias imprecisões” nas declarações feitas por Olmert.

    Já o porta-voz do Departamento de Estado, Sean McCormack, que acompanhou Rice na votação de quinta-feira, garantiu que o relato feito por Olmert “ é cem por cento, totalmente e completamente falso”. Ainda assim, acrescentou, a diplomacia americana não pretende, pelo menos para já, pedir explicações ao Governo israelita.

    Apesar das garantias americanas, relatos feitos por ministros árabes presentes na reunião do Conselho de Segurança vão ao encontro das revelações feitas por Olmert. Segundo eles, Rice prometeu votar a favor do projecto de resolução, mas minutos antes da votação falou ao telefone com Bush e, quando todos esperavam a aprovação do documento por unanimidade, ela absteve-se. A chefe da diplomacia americana viria a abandonar a sala, sem prestar declarações aos jornalistas, nem comentar a decisão com os seus homólogos.

    A decisão é tanto mais estranha, afirmam, quanto ela própria esteve envolvida nas negociações para convencer os países árabes a apoiar o diploma, apresentado pelo Reino Unido, com o apoio do Governo francês.» (Público)

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

A conspiração judaica internacional chama-o ao telefone

O primeiro-ministro israelita ouviu dizer que os EUA iam votar na ONU a favor do cessar-fogo. Faltavam dez minutos, mas isso para ele não foi um problema. Telefonou para Bush, obrigou-o a interromper um discurso, e disse o que queria. Bush respondeu que não tinha conhecimento da resolução. Olmert disse que ele, o israelita, tinha conhecimento. Vai daí, explicou ao presidente dos EUA que não devia votar a favor. E o presidente do país mais poderoso do mundo fez o que o primeiro-ministro israelita lhe tinha pedido (ou «mandado»?). Em 15 votos possíveis no Conselho de Segurança, a única abstenção foi dos EUA.

Vem tudo contado no Público. É de esfregar os olhos e ler outra vez.

«Autocarro ateísta» a caminho de Portugal?

Fala-se em trazer para Portugal a estratégia de colocar publicidade ateísta em autocarros, à semelhança do que foi feito na Grã-Bretanha (com grande sucesso) e, mais recentemente, em Washington e na Espanha.
Qual seria a frase mais indicada?
  • «Deus provavelmente não existe. Portanto, pare de se preocupar e goze a vida
  • «Esqueça Deus. Dedique-se à sua vida e àqueles de que gosta
  • «Deus talvez não exista. A sua vida é sua e a responsabilidade é sua

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

São Miguel de Ala?

Só mais uma coisa sobre este assunto, que considero fascinante depois de uma pequena pesquisa na internet. Depois de ler o artigo da Wikipedia fiquei a pensar se esta Ordem de S. Miguel de Ala não será uma espécie de Carbonária dos católicos, uma coisa para pessoas à direita do Genghis Khan. :o)

Não sabia que (sobretudo depois de o meu avô ter morrido, nos anos sessenta) ainda havia quem se interessasse pelas ideias do papa Pio IX!

Não faço ideia se os 'cavaleiros' desta Ordem ainda usam lanças e espadas, mas doravante é minha firme intenção atravessar a rua cada vez que vir o Sr. D. Duarte e esconder-me nalguma pastelaria, ou assim, porque considerando a ideologia que os inspira, não me admirava se os membros desta Ordem matassem e comessem inimigos da fé católica uma ou duas vezes por semana!

Uma opinião sobre Israel e a Palestina...

Na semana passada apanhei um taxi (em Philadelphia) e o taxista declarou-me quase imediatamente que era judeu, que tinha uma irmã em Tel Aviv, que ia muito a Israel e que me podia garantir que a esmagadora maioria dos judeus e dos árabes e dos drusos e dos beduinos quer é viver em paz. "Se não fosse a religião!" dizia ele desesperado.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Crucifixo humanista


Corrupção legalizada

Se as câmaras municipais já parecem, muitas vezes, o departamento de divisão de projectos entre construtores civis, a recentíssima ideia de passar a conceder por adjudicação directa (ou seja, sem concurso público) as obras até cinco milhões de euros, promete piorar o que já é, vezes demais, escandaloso.
Dizem que é para «reanimar a economia».

«Aos que por obras humanas se vão dos deuses libertando»

  • «Se a ideia mais comum entre os crentes é que para se ser ateu é preciso ter um trauma pessoal contra os deuses e/ou os seus seguidores, ele, apesar de despedir a teoria ("É compreensível que a fé queira encontrar uma motivação também irracional para a descrença"), presta-se bem ao estereótipo. Afinal de contas, foi um padre - o "Morgadinho" - que, aos 19 anos, o denun- ciou à PIDE. (...) Nascido há 66 anos, filho mais velho de quatro numa família da pequena burguesia, com uma mãe professora primária e um pai funcionário do fisco, fez a catequese ("A minha mãe podia ter problemas no emprego se não fizesse") e até aos 10/12 anos nem lhe passava pela cabeça duvidar da existência de um deus único e virulento, que o fazia chegar a casa a chorar "com medo do fim do mundo" e "cheio de ódio aos judeus, maçons, comunistas e ateus. Eram assim as doces catequistas: a fanatização terrorista senti-a entre os 8 e 10 anos". Aos 14, porém, "estava curado". A dada altura disse ao padre que "se o deus era presciente e sabia o que eu ia fazer, não fazia sentido eu ser responsabilizado. O padre respondeu dizendo: 'Tens a mão de Satanás na garganta, não te posso dar a absolvição.' Disse-lhe que já não sentia a mão e ele absolveu-me. Percebi que aquilo era uma treta." Do arranjo do mundo com divindade à espreita diz não ter tido jamais nostalgia. Pelo contrário: "Senti uma enorme libertação." Acabaria por, em 1971, regressado de quatro anos e quatro dias anos de tropa (em Moçambique) e integrado na cooperativa Devir - onde se cruzou com Sottomayor Cardia, Carlos Carvalhas, e o amigo de liceu António Fonseca Ferreira -, abandonar o ensino. "Fi-lo com mágoa, mas ganhava muito mal." Vai para Coimbra (onde vive ainda, já reformado) trabalhar para a Sandoz. Até 1976, mantém a ligação à CDE. "No 25 de Abril abalei para Lisboa mal soube, para me oferecer para o que fosse preciso. E dois anos depois larguei a política. Achei que o principal já havia: democracia. Mas não abandonei a actividade cívica." Fez parte de várias associações, "sempre de carácter humanitário", até que de um blogue, o Diário Ateísta (participa também no Sorumbático e no Ponte Europa ), nasce a Associação. "O cardeal-patriarca disse, a nosso propósito, que os ateus estavam a copiar as igrejas, pela reunião comunitária. Enfim..." Os inimigos tocam-se? "As pessoas acham que os ateus negam deus, mas enganam-se: aos ausentes não é preciso negar. Aliás, costumamos dizer que nós só somos um pouco mais ateus que os bispos católicos: eles negam todos os deuses excepto um; nós negamos também esse." Ri. "A sério: Achamos que é necessário retirar o ateísmo do armário. Fizemo-lo na convicção de que podemos ter uma acção pedagógica, através de algum eco nos media. E é preciso reconhecer que Portugal tem caminhado no sentido da laicidade, tem havido grandes avanços."» (Diário de Notícias)

sábado, 10 de janeiro de 2009

E ninguém faz nada

Percentagem de mortos civis:
Números absolutos:
  • Gaza, 801 mortos;
  • Israel, 13.

Finalmente, justiça

Parece que afinal ainda existe Estado de Direito (mas em câmara lenta). Ficam mal na fotografia final os media, e quem desrespeitou as decisões dos tribunais.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Um cidadão como os outros

Eu não costumo meter o bedelho nas atribulações dos monárquicos, mas esta tem graça:

  • «No processo cível, a Casa Real invocou que a expressão "Ordem de São Miguel da Ala foi abusivamente usurpada" por Nuno da Câmara Pereira. Isto porque"o uso das insígnias e denominações das Ordens Dinásticas são pertença da Casa Real portuguesa e do senhor D. Duarte". Mas, nesta matéria, os argumentos não convenceram a juíza Isabel Sá do 4.º Juízo Cível: "No actual ordenamento jurídico-constitucional, que configura Portugal como uma República e consagra o princípio de separação entre Igreja e Estado, é indiferente saber se está em causa uma ordem dinástica", escreveu a magistrada "se o uso das insígnias é exclusivo do putativo herdeiro da casa real (a qual não é reconhecida no ordenamento jurídico da República, note-se), ou se a mesma foi erecta canonicamente". Apesar dos argumentos históricos apresentados pela Casa Real, a juíza centrou o problema no plano "puramente jurídico".» (Diário de Notícias)

Ora bem. Não é reconhecida «Casa Real Portuguesa» alguma e o senhor Duarte é um cidadão como os outros, aliás tratado com muito humanismo pela República portuguesa (que não foi aos extremos da italiana, que proibiu a entrada aos descendentes da família real italiana durante décadas).

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Do mérito e da rotatividade

O Pedro Fontela, partindo da convicção de que o regime que temos «é francamente mau a todos os níveis», reflecte os meus artigos sobre a República com uma defesa da monarquia «não tradicional» (já agora, progressista?), electiva (mas sem sufrágio universal) e baseada no mérito. Estende o critério do mérito aos «títulos nobiliárquicos».

Para começar, considero que vivemos no melhor regime político da História portuguesa. Todos os anteriores me parecem piores. Mas enfim, quem quiser sugerir alternativas melhores é bem vindo.

Dois pontos.

Primeiro, acho que o Pedro exagera na relevância do mérito individual para a vida política. Não entendo a escolha de responsáveis políticos como uma sucessão de «concursos públicos» em que se escolhem gestores com base no seu currículo, nas suas qualificações ou nas suas notas. (Aparte: na última eleição presidencial, dos dois candidatos economistas, foi aquele que tinha pior currículo académico e científico a ser eleito). Pelo contrário, entendo a eleição de responsáveis políticos como um contrato informal entre eleitores e eleitos, em que as escolhas se baseiam nos projectos de sociedade ou nos modelos de governação que os candidatos apresentam. É essa a substância da política moderna, independentemente dos méritos do mérito. Mas aqui estamos na oposição entre democracia e meritocracia pura e dura (tecnocracia?).

Segundo, a transitoriedade da ocupação dos cargos de poder é uma exigência republicana fundamental. Todos os sistemas políticos em que os cargos são ocupados vitaliciamente descambam no nepotismo e no imobilismo. (E dado o aumento da esperança de vida, a ocupação de cargos por período indefinido cai facilmente na gerontocracia.) Poderia, aliás, haver limitação de mandatos para todos os cargos de eleição. Mais importante parece-me criar mecanismos que permitam afastar os eleitos dos seus cargos. Concretamente, deveria ser possível demitir presidentes de câmara. E destituir presidentes da República por via jurídica.

Finalmente, resta o pequeno problema de que o Pedro Fontela quer uma monarquia «electiva» e talvez «progressista» num país em que os monárquicos são defensores da continuidade biológica na chefia do Estado e do «tradicionalismo». Parece-me arriscado...

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Cada cidadão é parte do soberano

Outra diferença fundamental entre a República e a monarquia (mesmo a constitucional) é que, em República, cada cidadão detém uma igual fracção da soberania.

Como é sabido, nas monarquias absolutistas a soberania residia na pessoa do rei. Era em nome dele que as leis eram promulgadas, mesmo quando nem fora consultado nem as lera, e se resumia a colocar-lhes o seu selo. Em República, o soberano é a totalidade dos cidadãos, e as leis são coisa sua (preferencialmente através de representantes eleitos). E, fundamentalmente, não deve haver nenhum cidadão que seja mais igual do que os outros e que detenha uma maior fracção da soberania, quer através de um privilégio de ascendência familiar, de religião, de «etnia» ou de género.

Que o soberano sejam os cidadãos tem outras consequências. Numa República ideal, cada cidadão deveria poder exercer qualquer cargo. Numa vida de serviço público, cada cidadão transitaria entre os vários escalões do poder legislativo, do poder executivo e mesmo do poder judicial. Evidentemente, hoje parece utópico um tal regime (particularmente, dado o estudo aturado que exige a matéria jurídica, pois claro...). No entanto, permanece como uma das marcas distintivas da República a exigência de que qualquer um, seja qual for a sua origem familiar, «étnica», religiosa, o seu género ou a sua orientação sexual, possa aceder a qualquer cargo, por mais elevado que seja (incluindo o de presidente, nas Repúblicas em que tal exista). Sempre, obviamente, de forma transitória. Porque em República não deve haver cargos vitalícios, castas, nem privilégios hereditários.

Existe sempre espaço e oportunidade para aperfeiçoamentos numa República Democrática. Quando se discutem as candidaturas de independentes, está-se a falar de facilitar que qualquer cidadão possa realmente participar na gestão da res publica, sem passar necessariamente por partidos.

Saúde e Mercado

No blogue Que Treta!, o Ludwig Krippahl responde ao João Miranda do Blasfémias com o seguinte texto intitulado Treta da Semana: Era um antibiótico, duas bicas e a conta, s’achavor.:

«A propósito da resposta do Serviço Nacional de Saúde ao recente surto de gripe, o João Miranda fez uma analogia curiosa. Criticando a recomendação que os doentes com gripe ficassem em casa a menos que os sintomas se prolongassem ou agravassem, o João Miranda propôs:

«Os restaurantes perceberam uma ideia básica que os responsáveis pelo SNS ainda não perceberam: as pessoas têm necessidades subjectivas. É por isso que os donos dos restaurantes não questionam os desejos dos seus clientes. Limitam-se a adaptar-se a eles. Os clientes de um restaurante podem lá ir mesmo que não tenham muita fome. Serão bem tratados à mesma. Os responsáveis pelo SNS não reconhecem às pessoas necessidades subjectivas. As pessoas apenas podem ter as necessidades definidas pelos serviços com base em critérios objectivos. Por isso os serviços não se dispõem a adaptar-se às preferências de quem na verdade lhes paga o salário.»

Há dois problemas nesta analogia. Primeiro, a função dos restaurantes não é lutar contra a fome. É dar lucro. Isso consegue-se vendendo o que o cliente quer comprar e, desde que pague, não importa se tem fome ou fastio. Em contraste, o SNS serve para tratar doenças. E para isso é preciso dar o tratamento adequado independentemente do paciente gostar mais dos comprimidos encarnados. Por isso é insensato o dono do restaurante recomendar aos clientes que fiquem em casa a menos que tenham muita fome, que comam pouco e evitem as sobremesas. Mas para o SNS é melhor que fique em casa quem só precisa controlar os sintomas e esperar que virose se cure sozinha. Espalhar o vírus pelo hospital e apanhar outras infecções dá mais clientes ao SNS mas, felizmente, não é o número de clientes que o SNS quer maximizar.

Outra diferença importante é quem paga e, principalmente, porquê. Ao restaurante paga quem quer lá comer e paga para ir lá comer. O restaurante não se importa com quem tem fome, só com quem paga. Por isso o restaurante não precisa fazer triagem nem guardar comida para quem precisa mais dela. O SNS não pode funcionar assim. Quem paga o SNS é quem tem dinheiro e não necessariamente quem tem doenças. E pagamos o SNS para garantir que todos doentes os têm aquele acesso a serviços de saúde.

Concordo que o SNS deve ter em conta os aspectos subjectivos da doença sempre que estes se alinhem com os resultados concretos que se quer obter. Por exemplo, o serviço telefónico de atendimento permanente não só serve para assegurar as pessoas cuja doença não inspira cuidados como identifica e encaminha aqueles que precisam de assistência médica. Mas não é razoável que os aspectos subjectivos se sobreponham aos objectivos. Nisto o João Miranda confunde dois sistemas muito diferentes.

O mercado é ideal para trocar bens e serviços, e é de esperar que satisfaça as “necessidades subjectivas” daqueles que têm algo para trocar. Da prostituição às clínicas privadas e do contrabando aos supermercados, a subjectividade de quem paga é o critério principal. Mas isto só serve para quem têm algo que a dar em troca do que quer. E é inevitável, em qualquer mercado, que alguns não tenham sequer o suficiente para trocar pelas necessidades mais básicas.

Para essas necessidades é preciso um sistema diferente, o estado, e é um equivoco infeliz esta ideia que pagamos impostos para que o estado sirva quem paga. Infra-estruturas, segurança, educação, justiça, liberdade de expressão e acesso à cultura e saúde são alguns dos bens essenciais que não queremos vendidos só a quem pode pagar mas que queremos acessíveis a todos. É para isso que pagamos impostos. Por isso, neste sistema, os recursos devem ser aplicados em função da sua utilidade para todos e não em função dos caprichos dos fregueses.»

Monarquia é passado, República é futuro

Uma diferença fundamental entre a República e a monarquia é a relação com o tempo. A monarquia fundamenta-se (entre outras justificações) numa pretensa necessidade de assegurar uma «ligação» ao passado, numa valorização da «tradição», ou na preservação da «identidade» e da «cultura» nacionais.

A República é o contrário de tudo isto. Um regime republicano não está ao serviço do passado, pelo contrário pretende construir o futuro. Não sendo o passado indiferente, o que interessa à República não é o que fomos, mas sim o que seremos.

Não é por tudo sempre se ter feito de determinada forma que deve continuar a sê-lo dessa forma. A República existe, portanto, para resolver os problemas presentes da população, não para manter ou até impôr, contra os seus interesses actuais, os costumes, a religião ou as instituições que serviram às gerações que precederam biológica ou territorialmente essa população. A ligação ao passado é memorial, mas não nos pode impedir de decidir o que queremos para o futuro.

A República é o regime que assume que as instituições políticas e as opções colectivas não são definitivas. São sempre um ensaio que pode servir as gerações presentes, mas que terá que passar pelo escrutínio dos vindouros para subsistir.

Ser republicano, no fundo, passa por assumir que a mudança é parte da vida, e que é melhor lidar com ela do que tentar desesperadamente amarrarmo-nos ao passado.

Ser republicano

Há muitos monárquicos que o são apenas por embirração com o período de 1910 a 1926. Tem a ver com hereditariedades (o avô que achava que era aristocrata) ou clericalismo (quem toca na ICAR, nem que seja com uma flor, põe em causa o equilíbrio cósmico!). Outros terão razões de princípio.

Ser republicano deveria ser independente do melhor ou pior juízo que se faça das atribulações da 1ª República (e quem isto escreve, acha que Afonso Costa pode ter sido o melhor primeiro ministro do século 20).

Afinal, uma diferença fundamental entre ser republicano e monárquico é que, para nós, o que interessa é o futuro.

Contra uns mas não contra os outros

Eu sei que é Israel quem está na ofensiva, e que é daí que vem portanto a maior parte da violência. Mas fico sempre com uma impressão desagradável nas meninges quando leio comunicados onde não existe uma palavra sequer para condenar os islamistas do Hamas, cujo desprezo pelas vidas humanas, incluindo as do seu próprio povo, é visível e irresponsável.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Israel

Hoje um leitor do El Pais perguntava-se o que diria Bruxelas se a Espanha cortasse a água e a luz ao Pais Basco e matasse 400 civis em bombardeamentos...

Pete Seeger

Um grupo de pessoas está a tentar propor Pete Seeger para Nobel da Paz (aqui).