quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O fascínio pelos «técnicos»

Há muito que em Portugal há um enorme fascínio pelos «técnicos». Vem pelo menos desde o Salazar (o pseudo-«mago das Finanças»), passou pelo Cavaco (não o actual, mas o que foi PM) e chegou aos Medinas Carreiras que nos entram em casa todos os dias.

O episódio Artur Baptista da Silva é um lado mau do fascínio pelos «técnicos» de economia e finanças. Os  tais «doutores» e «professores» que são os únicos autorizados/respeitados para nos falarem de dívidas e défices, juros e PIBs, impostos e salários (incluindo os que pagamos e os que nos são depositados na conta). Retiram à política o que é da política, porque o que dizem é exclusivamente/puramente/tecnicamente «técnico». E é suposto ouvirmos e calarmos, desde que falem com desembaraço e convicção, até ao dia em que se descubra que, bem... afinal não era um «técnico» verdadeiro.

O lado péssimo do fascínio pelos técnicos é aceitarmos tão facilmente que «técnicos» não eleitos sejam ministros. Por exemplo, ministros das Finanças: se a wikipédia não me engana, foram quase todos, desde   1975, professores catedráticos. Algo que não critico, note-se: nada tenho (antes pelo contrário) contra o reconhecimento académico de quem (estou em crer que na maioria dos casos) tinha e tem efectivo mérito académico. O problema é termo-nos habituado a que uma ou várias das pastas do governo da República sejam entregues a cidadãos que antes da nomeação governamental nunca tinham concorrido a eleições, respondido a perguntas, sido escrutinados pelos media. É uma prática profundamente anti-republicana, anti-democrática e mais específica de Portugal do que se pensa, que alguém chegue a um alto cargo sem uma carreira política prévia: o normal é os ministros dos governos do Reino Unido, da França e da Alemanha terem sido eleitos (deputados ou senadores ou...) na eleição anterior. E é assim que deve ser, e é assim que deveria ser em Portugal também.


Vítor Gaspar e Artur Baptista da Silva: duas faces do mesmo luso fascínio.