sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O governo somos nós

Entrei nesta coisa do facebook e adoro estar em contacto com os meus amigos de há muitos anos, mas horrorizam-me e repugnam-me todos os dias as ladainhas sobre a corrupção do governo e as afirmações saudosas e desgraçadas d' "o Salazar é que era" e d' "a Nossa Senhora é que nos guia".

Ora eu acho que o Salazar era um anormal e um crápula, a Nossa Senhora não existe e o problema de Portugal não são os governos:  são os portugueses.  O governo somos nós.  Estes energúmenos foram todos eleitos e reeleitos.

Hoje um amigo meu meteu um artigo - acho que d'O Público - de uma jornalista muito suspirosa a dizer que os cientistas se vão embora porque não há apoios, etc.

Eu fugi de Portugal há quase 15 anos, mas não foi por causa do governo nem dos políticos:  foi por causa dos portugueses.  Fugi de ser maltratado, desautorizado e humilhado: por exemplo, o homem das facturas fazia-me esperar em pé, no corredor do IPPAR, horas a fio e eu ouvia-o através da porta a calhandrar ao telefone.  Uns dez anos mais tarde encontrei o meu ex-chefe e ele disse-me que o centro do qual eu tinha fugido tinha implodido "por minha culpa":  "desde que eu tinha saído ele nunca mais tinha conseguido que se fizesse nada!"

Fugi porque me fartei de ouvir dizer que tinha de ter respeitinho pelos chefes.  Eram uma data deles, parece que todos importantíssimos.  O IPPAR era um antro de irresponsabilidade e desperdício, onde a pequena corrupção imperava e era a alegria dos calhandreiros.  O desgraçado que recebia uma percentagem das compras e que toda a gente sabia quem era, o que tinha um arranjinho com a garagem onde mudavam o óleo aos carros, o que arranjou um emprego para o sobrinho, que veio da tropa, coitadinho e que - eu vi - no primeiro dia de trabalho desatou a fazer fotocópias "para a prima" e a telefonar "para o estrangeiro".  Os que achavam que o estado lhes pagava mal e iam para a praia de manhã a partir de Maio.  Os chefes que chegavam ao meio dia e iam almoçar e voltavam às quatro.  O desprezo total e absoluto pelos prazos, pelos cidadãos, pelos empreiteiros e pelo património.  Os melindres e as retaliações contra quem se queixava.  As facções.  O tribalismo.  As honras ofendidas de quem era apanhado com a boca na botija.  As vinganças contra quem identificava os problemas.

Os portugueses estão-se nas tintas uns para os outros e não acreditam num modelo de sociedade democrática, em que a responsabilidade é de todos.  E o governo...  aqueles desgraçados que aparecem na televisão - são portugueses.  Roubam mais do que a maioria porque têm acesso a mais dinheiro e baldam-se mais porque podem.


Um antropólogo chamado George Foster escreveu um artigo nos anos sessenta que explicava que em certas sociedades rurais as pessoas têm um sentido do "bem" como uma coisa finita e limitada, que não cresce e portanto cada vez que é consumido se reduz.  Para estas pessoas torna-se mais importante que ninguém goze do que que haja uma repartição equitativa do bem.  O sucesso é um crime e a mobilidade social uma ameaça.  Trabalhar, cooperar e tornar o "bem" numa coisa que cresce e pode ser partilhada, está fora de questão.  São estas pessoas que podem passar anos sem fazer nada mas se levantam às quatro da manhã, se organizam e colaboram com uma energia prodigiosa cada vez que alguém tenta fazer alguma coisa.

1 comentário :

Anónimo disse...

Se a corrupção é o cancro de uma sociedade, então a sociedade portuguesa é autoimune.