quarta-feira, 14 de maio de 2014

A teoria do comunista envergonhado

É comum que pessoas que se identificam com a direita «acusem» outros de ser comunistas. Por vezes acertam: a pessoa em causa assume-se como comunista, e com muito orgulho. Geralmente falham, o que faz sentido tendo em conta as probabilidades (basta ver as votações do PS, do BE, e da CDU). Neste caso, o seu interlocutor esclarece não ser comunista. Em resposta a isto, afirma-se ou insinua-se de se que trata de um «comunista envergonhado», alguém que tem convicções comunistas, mas falta de coragem para as assumir. Ora isso não faz sentido nenhum.

Talvez esta situação fizesse sentido no regime do Estado Novo, onde existiam boas razões para não assumir convicções comunistas. Se calhar algumas destas pessoas não saíram deste universo, ou a ele querem voltar.
Mas hoje, quem acredita que o comunismo é a melhor solução para a sociedade não tem razões para ter medo: não vai preso, não recebe uma tareia das milícias, espera-se que não perca o emprego por isso.
Menos ainda faz sentido um comunista ter vergonha de o ser. Porque uma pessoa, das duas uma: ou considera genuinamente que o comunismo seria a melhor opção para Portugal e/ou para mundo, e nesse caso não encontrará razões para se envergonhar das suas convicções, mas apenas orgulho; ou então considera que o comunismo é um sistema mau ou disfuncional, e nesse caso não é comunista.

Vale a pena repetir: se alguém é comunista, é porque acredita que o comunismo é bom. Nesse caso, porquê ter vergonha de defender um sistema supostamente bom?

Os marxistas têm um grande orgulho em o serem, e não andam por aí «comunistas envergonhados», pelo menos até voltar a perseguição política.
Acusar alguém de ser «comunista» é o tipo de «insulto» que só é eficaz se for injusto. As únicas pessoas que podem ter vergonha de serem tidas como comunistas, são precisamente aquelas que não o são.

Quando alguém recorre a uma acusação que só é eficaz se injusta, esse é um indício de que os seus argumentos são fracos, débeis, incapazes. De que se quer evitar uma discussão elevada, optando pelo (suposto) insulto fácil. 

6 comentários :

João da Nóbrega disse...

É comum que pessoas que se identificam com a esquerda «acusem» outros de ser neoliberais.

And so on and so forth.

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«Vale a pena repetir: se alguém é comunista, é porque acredita que o comunismo é bom. Nesse caso, porquê ter vergonha de defender um sistema supostamente bom?»

A vergonha vem dai mesmo. Vem de admitir que achas que algo é bom, quando sabes que os outros reprovam precisamente que penses ser bom.

Admitir o que pensas, mesmo quando sabes que os outros reprovam o que pensas, é um acto de coragem, de maturidade, e às vezes de estupidez.

Mais uma vez podes trocar o sentido da questão:

«Vale a pena repetir: se alguém é neoliberal, é porque acredita que o neoliberalismo é bom. Nesse caso, porquê ter vergonha de defender um sistema supostamente bom?»

Anónimo disse...

À acusação falaciosa de comunismo envergonhado contrargumenta-se com a de fascismo recalcado.

A maioria silenciosa pensa sempre aquilo que quisermos.

João Vasco disse...

João da Nóbrega,

Como sabes, passei a desgostar do termo "neoliberal" por várias razões, e essa é uma delas.
Já tínhamos falado sobre esse assunto uma vez no facebook (mas na altura sem comparação com comunistas).

Não conheço um único "comunista envergonhado". Por serem tão unidos, e terem uma comunidade tão forte e coesa, os comunistas raramente têm medo de dizer o que pensam.

João da Nóbrega disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João da Nóbrega disse...

Certo. Mas se a troca comunista por neoliberal no texto é mais ou menos simétrica e pacífica, tenta trocar por outra etiqueta mais polémica. Experimente-se com racista, por exemplo.

O texto continua todo válido, não é preciso ter medo de se assumir racista, já que a sociedade é livre. Um racista até têm orgulho de pensar dessa maneira, e de igual forma provavelmente "considera genuinamente que «uma sociedade com uma distribuição homogénea de raças» seria a melhor opção para Portugal e/ou para mundo,".

Podes igualmente escrever:

«Vale a pena repetir: se alguém é racista, é porque acredita que o racismo é bom. Nesse caso, porquê ter vergonha de defender um sistema supostamente bom?»

Daí eu pensar que a vergonha «vem de admitir que achas que algo é bom, quando sabes que os outros reprovam precisamente que penses ser bom.». Não tem propriamente a ver com a tua pessoa, mas com as outras. Com o medo da reacção de reprovação das outras.

Portanto o que pode acontecer é que alguém que se apresente com ideias que sejam facilmente rotuladas de A ou B (e quando A ou B arrasta uma conotação negativa) mas não as consiga justificar correctamente porque não tenha investido muito tempo a estruturar as mesmas, se sinta inseguro em as apresentar.

Mas na prática quanto mais convicto de algo estamos, menos vergonha temos de apresentar essa convicção, independentemente do que as outras pessoas pensam.

Para mim o principal problema de acusar alguém de ser comunista (ou outra etiqueta qualquer), depois de o mesmo apresentar uma ideia, é esta acusação ser uma instanciação da falácia da composição. Não faz sentido do ponto lógico. Mas é, ao mesmo tempo, uma ferramenta para desarmar quem não consegue justificar a ideia correctamente, e não consegue detectar a falácia.

- Ah, eu defendo um sistema em que a propriedade da escola é mista, pública e/ou privada.
- Isso é porque és um neoliberal!

A acusação traz uma falsa implicação: Se defendes uma ideia facilmente identificada como neoliberal, então defendes todas as ideias neoliberais, e todos os seus problemas inerentes. A pessoa visada pela acusação não detecta a utilização da falácia e entra em "tilt":

- É pá, se calhar sou mesmo neoliberal, e isso deve ser mau. :|

E está o debate ganho.

Anónimo disse...

Parece-me que o João da Nóbrega tem razão. Não é pelo facto de a sociedade ser livre que isso torna tudo mais simples.

Eu não conheço nenhum comunista envergonhado. Mas conheço algumas pessoas que poderiam ser consideradas racistas envergonhadas. Pessoas que, em privado, fazem da comunidade cigana considerações profundamente reprováveis, sendo que jamais as fariam em público.

Ao teu contra-argumento, João Vasco, pode o acusador de comunismo/fascismo/racismo envergonhado replicar com a censura do círculo social em que o alvo pertence, que não tem de ter o mesmo respeito pelas suas ideias que a sociedade em geral.

Por essa lógica, a partir do momento em que há liberdade, direitos civis e casamento homossexual o "armário" desapareceria instantânea e permanentemente. E isso não invalida que uma acusação de homossexualidade não deva ser, ainda, entendida como um insulto em muitas situações.

Infelizmente, as generalizações que trazem implicações à toa não caiem pela base assim que se invoca uma apreciação tautológica dos termos.